A HISTÓRIA: No final dos anos 1930 em Los Angeles, um detetive de rua sem sorte, Philip Marlowe, é contratado para encontrar o ex-amante de uma glamourosa herdeira, filha de uma conhecida estrela de cinema. O desaparecimento desenterra uma teia de mentiras e logo Marlowe se envolve numa investigação perigosa e mortal, onde todos os envolvidos têm algo a esconder.

"Marlowe: O Caso da Loira Misteriosa": nos cinemas a partir de 8 de junho.


Crítica: Francisco Quintas

Não é invulgar nem grave quando um artista atira ao lado, quando um projeto não lhe confere a intensidade de aplausos que outrora teve. O que é, sim, estranho é a frequência crescente com que deixam de assinar obras com qualidade, para adotarem o piloto automático ou se renderem ao desleixo.

Seja por um destes dois motivos ou por qualquer outro, é de lamentar que o currículo do cineasta irlandês Neil Jordan não vislumbre, há muitos anos, um trabalho genuinamente merecedor de elogios ou de valores sorridentes nas bilheteiras.

Embora os anos 1990 não tenham sido de obras-primas, foi uma década em que conseguiu atrair, não em simultâneo, espetadores, críticos e académicos, a destacarem-se para alguns cinéfilos no topo da sua filmografia “Jogo de Lágrimas” (1992), “Entrevista com o Vampiro” (1994) e “Michael Collins” (1996).

Podemos supor, portanto, que o realizador seja incapaz de se desvincular das fórmulas antigas, independentemente do género que escolhe. Em comunhão com trabalhos recentes como “Byzantium” (2012) e “Greta” (2018), que cometem o pecado de serem tão previsíveis quanto esquecíveis, chega agora aos cinemas “Marlowe”, cujo guião se afunda ainda mais por diálogos ociosos e uma estrutura dependente de conveniências e dissonâncias.

Protagonizado por Liam Neeson, o filme é uma tentativa de modernizar as clássicas histórias de detetives dos anos 1930 e 1940, com a iconografia de estrelas como Humphrey Bogart e a influência de realizadores como Alfred Hitchcock. Não desfazendo a sofisticação da fotografia e da direção de arte, nenhuma destas apropriações é feita com grande subtileza ou engenho.

Para enfraquecer o que já é um trabalho derivado e desinteressante, não nos é oferecido o mínimo “backstory” do protagonista, nem tampouco motivações credíveis. Como se isso não bastasse, o letárgico e inaplicado Liam Neeson, também no piloto automático, deixa muito a desejar.

Apesar de um evidente excesso de personagens, alguns rostos recorrentes conseguem reatar o interesse: as misteriosas Diane Kruger e Jessica Lange ostentam a cigarreira e o véu sombrio da “femme fatale”, enquanto o refinado Adewale Akinnuoje-Agbaje fornece algum alívio cómico.

Afastando-se destes, “Marlowe” joga um sonolento jogo de mafiosos, chulos, traficantes e assassinos, conduzido pelos unidimensionais Danny Huston e Alan Cumming. Para maior desencanto de olhos e ouvidos, Daniela Melchior recebe um material demasiado precário para trabalhar.

Atualmente, Neil Jordan e Liam Neeson encontram-se em pré-produção de um próximo “thriller” de crime, intitulado “The Riker’s Ghost”, sem data de lançamento prevista. Apesar de tudo, vale a pena torcer para recuperarem força na verga e assumirem o volante. Que contem uma história mais memorável do que “Marlowe” não será pedir muito...