Matthias & Maxime
A HISTÓRIA: Dois amigos de infância beijam-se para uma curta-metragem amadora. Após esse beijo, aparentemente anódino, instala-se uma dúvida recorrente, confrontando os dois rapazes com as suas preferências, perturbando o equilíbrio do seu círculo social, e em seguida, das suas próprias existências.
"Matthias & Maxime": nos cinemas a 18 de junho.
Crítica: Hugo Gomes
Um beijo! O necessário para alterar radicalmente uma amizade de longa data, levando companheiros de infância a rever emoções reprimidas perante uma sociedade que se assume patriarcal. E o beijo, esse ato-chave que determinará o destino de Matthias (Gabriel D'Almeida Freitas) e Maxime (Xavier Dolan), surgiu durante uma farsa, um papel numa curta-metragem, o que permite a "Matthias & Maxime" fazer a a caricatura de um certo cinema presunçoso, mimado e intelectualmente inconsequente.
Mas partindo, por breves momentos, para fora do universo desta oitava longa-metragem de Dolan, deparamos com um cineasta mudado, mais maduro, pronto para reviver as memórias passadas e gloriosas, tais como as personagens, que resistem ao objeto estranho das suas vidas, desejando retroceder nessa questão de desejos.
O realizador, portanto, anseia pelo retorno do seu estatuto de prodígio, conquistado aos 21 anos com a consagração da primeira longa-metragem (“Como Matei a Minha Mãe”, apresentada na Quinzena de Realizadores em Cannes em 2009).
Vale a pena recordar que, a partir daí, seguiu um percurso artístico colado ao seu espírito pop, respondendo indiretamente aos cânones lançados pelos críticos e cinéfilos que o acompanhariam. Abandonou a ideia de se tornar num novo Orson Welles, que lhe fora constantemente endereçada por causa da tenra idade, e o “elogioso” encosto a Jean-Luc Godard com o ex-aequo do Prémio de Júri de Cannes com “Mamã” (até à data a sua obra-prima), onde expressou um comentário de desdém ao incontornável nome da Nova Vaga.
A atitude ditou, primeiro, o repúdio por parte de cinéfilos mais acérrimos e conservadores, e segundo, tornou evidente um ego inflamado que cegaria Dolan para os filmes seguintes: "Tão Só o Fim do Mundo”, acolhido com apupos no mesmo festival que outrora o premiara, para além de um cansaço formal e umbiguismo no recalque dos seus temas-fetiches (famílias disfuncionais, com enfoque nas problemáticas figuras maternais, homossexualidade como tabu e aura artística e solipsista de jovens “marginais”); e um "filme de estúdio" que lhe correu ainda pior do que o esperado (“A Minha Vida com John F. Donovan”).
Com isto, Xavier Dolan tornou-se numa figura “popluxo” apadrinhada por Hollywood, mas que demonstra em “Matthias & Maxime” uma determinação em se distanciar desse "Dolan-celebridade", garantindo um filme mais cercado de intimismo e habitado nos lugares frequentados pelo seu imaginário.
Aqui encontramos a sua (bem-vinda) marca, desde as mães-monstros aos dilemas amorosas que remexem na sexualidade ocultada, passando pela distorção da masculinidade e, a nível estético, a cumplicidade da montagem de fins temporais com uma coletânea musical ao gosto nostálgico / pecaminoso de Dolan.
“Matthias & Maxime” é essa pílula da cobiça para refazer caminho e seguir pelo seu tom característico. Talvez o ego magoado do (ainda) jovem realizador (31 anos) seja a cicatrizada lição para um futuro possível - a sua esperada transformação como autor, aquilo que, por momentos, admitíamos na luzes da ribalta de “Mamã” (2014).
Infelizmente, os passos querem-se pequenos e cuidadosos, porque ainda temos contacto com um realizador de manhas, debatido com dúvidas existenciais. Uma delas é a qualidade técnico-visual: um descoordenado malabarismo de enquadramentos, planos que marcam um afastamento da ação central e estabelecem-se como voyeuristas nestas juras de compaixão (bem conseguidos), até aos graduais close-ups intermitentes que transmitem uma linguagem desalmadamente televisiva, pontuada pela vingadora "reality TV" (as qualidades “poplixo”).
Outras forças desmotivadoras a terem conta neste “Matthias & Maxime” são as voltas e voltas que Dolan dá para tecer o seu drama de descobertas amorosas e confrontos sentimentais. E de forma egoísta e desigual, na perspetiva da sua própria personagem, atribuindo-lhe uma ênfase trágica que contrapõe com o Matthias de Gabriel D'Almeida Freitas.
Apesar destas reservas, vale a pena contemporizar: são adversidades de quem se manteve longe da criatividade artística e perto dos holofotes precoces da fama. Positivamente, será este o caminho a seguir no seu cinema. Ainda há esperança para Xavier Dolan se redimir.
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