O Ninho
A HISTÓRIA: Um empresário carismático muda a sua família para a Inglaterra na esperança de lucrar com a Londres em expansão, de 1980. Mas quando a sua mulher sente dificuldades para se adaptar e a promessa de um começo novo e lucrativo começa a esfumar-se, o casal tem de encarar as verdades indesejadas que residem sob a superfície do seu casamento.
"O Ninho": nos cinemas a 8 de outubro.
Crítica: Daniel Antero
Numa mansão enorme em Surrey, Inglaterra, os O’Hara veem a alegria de uma nova vida ser consumida pelo isolamento e a ansiedade a sobrepor-se nas suas interações familiares mais rotineiras, como um simples pequeno-almoço.
Neste novo ninho, os corredores são intermináveis, as árvores secam e os animais sofrem a tragédia. A ambiência nervosa e o receio perseguem-os, o amplo espaço é desconfortável e o ar decadente e escuro assombra-os.
Lenta, elegante e precisa, com uma cadência sombria, a narrativa de "O Ninho" não se ergue galho a galho com uma aura de conforto ou uma segurança convidativa. O seu ritmo é letárgico, injetando de decadência e opressão o casal e os seus dois filhos, afastando-os entre si, abrindo um caminho que será preenchido por raiva e desespero.
Com ritmos de edição, registos sonoros e composições de imagem ominosas, o realizador Sean Durkin transporta-nos para o universo dos filmes de horror, dando peso ao espaço, ludibriando-nos com o tempo e fazendo-nos crer que algo mais pesado e inexplicável existe naquela mansão.
Mas não. Com paciência e pertinente agoiro, percebemos que este ninho se auto-destrói de dentro para fora, com Rory, o pai (magnético Jude Law), a revelar-se como a principal ameaça à construção de um lar equilibrado e sustentado pelos valores corretos.
Rory criou uma imagem extravagante que não se coaduna com as suas origens ou os ideais da sua esposa Alison (subtil e poderosa Carrie Coon), baluarte da família, tanto emocional como financeiramente.
Arrasta a sua família para a bancarrota com sonhos de ter um condomínio no Algarve e um apartamento em Mayfair, exibindo a sua mansão nova e a esposa, mentindo em jantares de negócio, usando uma máscara que só ele acredita conhecer. Mas nós sabemos, através da mestria da luz cinzelada de Mátiás Erdély que contorna as linhas do rosto de Rory, destacado-o do resto do corpo qual máscara de gesso prestes a estalar.
E naturalmente Alisson também sabe, ela que cresce como mãe e mulher, assentando a sua força em momentos sublimes de desilusão enquanto une as peças das mentiras do marido e depois desconstrói-as sem apelo nem agravo, desmascarando Rory em frente dos seus “pares”, espiralando até à rutura entre os dois.
Durkin revela como a ilusão e a ganância materialista afetam uma família, explorando consumismo e choque de classes, sonhos e trabalho dos "Yuppies", status social, cultural e intrafamiliar; bem como o escapismo e a rebeldia dos filhos, que à deriva, se refugiam e criam as suas máscaras para sobreviver.
Mas embora haja uma desintegração e um gradual desmantelamento do ninho, há também um registo de esperança e de aceitação. Law e Coon são extraordinários na sua interpretação ferida e exausta, respirando carinho nas suas interações e paixões, mostrando-nos que estão resilientes no seu fingimento e ainda crentes na sua relação.
Por tal, quando no final todos se unem à mesa para um novo pequeno-almoço, desmascarados, sem nada a esconder, Durkin consegue dar nova luz sobre a família naquela mansão.
Sente-se possibilidade, alívio e arrependimento, aceitação num novo dia e num novo recomeço.
Ou então é o que nós queremos ver, com as nossas máscaras.
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