A HISTÓRIA: Uma jovem recém-casada vai viver para a imponente propriedade do marido, onde se vê a braços com a sinistra governanta e a sombra perniciosa da sua falecida mulher.

"Rebeca": disponível na Netflix a partir de 21 de outubro.


Crítica: Hugo Gomes

Se existisse uma secção de livros totalmente “engolidos” pelas suas respetivas adaptações cinematográficas, “Rebecca”, o romance de Daphne Du Maurier (publicado em 1938), estaria no centro, por causa de Alfred Hitchcock e do produtor de David O. Selznick (o mesmo de “E Tudo o Vento Levou”).

Datado de 1940, o filme protagonizado por Joan Fontaine e Laurence Olivier é considerado por muitos como um dos trabalhos maiores do celebríssimo “mestre do suspense”, mesmo que o próprio Hitchcok tenha afirmado, numa incontornável entrevista com o autor da "Nouvelle Vague" François Truffaut, ter sido uma visão vencida pelo produtor e não pelo realizador.

Mesmo sabendo que atualmente nada é “sagrado”, chegamos a um nova versão "à la" moda da Netflix, que sem rodeios, intercetou a trajetória de Ben Wheatley, outro cineasta britânico de “suspense” (de "Uma Lista a Abater" e "Free Fire") a servir fielmente um grande estúdio americano.

A história repete-se, dentro e fora do ecrã, mas para muito pior: o que se destaca nesta nova “Rebecca” é a sua falta de aprumo e ambição para se afastar do que tinha sido feito antes ou de fugir à formatação do que anda a ser ultimamente concebido pela Netflix.

Esta forma desajeitada pode ser facilmente resumida no próprio retrato de Manderley, a mansão que albergará 80% do enredo: Wheatley opta por planos fechados sem nunca conseguir captar a grandiloquência daquela casa fantasmagórica, que no imaginário cinéfilo de 1940 é como um casulo arquitetonicamente gótico.

A claustrofobia, involuntária pois é uma manobra de “desenrasque” dos meios de produção, poderia aprofundar um efeito psicológico na história do romance dúbio. Infelizmente, o artificialismo em tons de pastéis desvia o filme de qualquer pretensão intrínseca, como se a solução fosse despachar como um telefilme sintetizado.

Também a despachar e por outras palavras, a nova "Rebeca” é um embrião novelesco, demasiado “berrante” para a sua emprestada natureza, com personagens sem camadas e nem mesmo uma atmosfera de mistério por estas assoalhadas.

A resumir tudo isto está o seu núcleo, o casal protagonista sem química que se rivaliza na sua própria sonsice (Armie Hammer e Lily James), sem fazer qualquer sombra à secundarizada Kristin Scott Thomas como uma Mrs Danvers herdeira (de percentagem mínima) do célebre legado deixado por Judith Anderson no filme de 1940.

"Rebecca" é frustrante pois deparamo-nos com um realizador tão dotado ao suspense como Ben Wheatley a ser reduzido a uma tarefeiro de segunda e a existência de uma “nova” adaptação sem razão para tal. Sério! Havia alguma necessidade para “regressarmos” desta maneira tão acidentada a Manderley?