Rua do Medo: A Rainha do Baile
A HISTÓRIA: Quem será eleita a rainha do baile de Shadyside High em 1988? Para Lori, miúda desfavorecida, a concorrência é feroz, mesmo antes de alguém começar a matar as candidatas.
"Rua do Medo: A Rainha do Baile": na Netflix desde 23 de maio.
Crítica: Manuel São Bento
(Aprovado no Rotten Tomatoes. Membro de associações como OFCS, IFSC, OFTA. Veja mais no portfolio).
Cometi o erro de ignorar o lançamento da trilogia "Rua do Medo" em 2021, colmatando tal erro nesta última semana em preparação para a quarta obra da saga, "A Rainha do Baile". É essencial sublinhar o quão subvalorizados e despercebidos continuam os três filmes originais realizados por Leigh Janiak - exemplos notáveis de coesão narrativa, excelente execução e utilização significante de efeitos práticos em algum do melhor terror comercial da última década.
Ao contrário de muitas produções episódicas, cada obra funciona como capítulos da mesma história, explorando os ciclos de violência, igualdade social, discriminação sistémica e trauma intergeracional com surpreendente maturidade e intensidade emocional. A maldição de Sarah Fier serve como elo de ligação entre épocas, comunidades e protagonistas, sendo que a própria realização demonstra uma paixão profunda pelo género, com homenagens aos "slashers" dos anos 80, terror rural da década de 70 e folclore macabro do século XVII.
É precisamente por isso que "Rua do Medo: A Rainha do Baile", realizado por Matt Palmer ("Calibre") e escrito em parceria com Donald McLeary, parece tão deslocado. Esta quarta parcela nem tenta inserir-se no universo estabelecido, falhando em justificar a sua existência enquanto peça desta saga. Cumpre minimamente a sua função como entretenimento de terror para o público-alvo – com mortes sangrentas, efeitos visuais práticos e um estilo nostálgico – mas a sua desconexão narrativa e temática deixa uma sensação agridoce, como um "spin-off" que insiste em vestir a pele de algo maior sem efetivamente o ser.

O enredo decorre novamente em Shadyside, mas as ligações aos eventos ou personagens dos filmes anteriores são inexistentes, pelo que a sua inclusão na saga "Rua do Medo" parece meramente estratégica. A história acompanha Lori Granger (India Fowler), uma estudante ambiciosa que, entre pressões familiares e o desejo de ser coroada rainha do baile, vê-se envolvida numa série de assassinatos que ameaçam arruinar mais do que apenas a noite perfeita. Por detrás da fachada de rivalidades adolescentes, encontra-se o mistério de identidade do assassino que, embora tente emular os moldes de "Gritos", revela-se de uma previsibilidade aborrecida e pouco ou nada impactante.
Tecnicamente, há mérito a reconhecer. A realização de Palmer possui momentos eficazes de tensão e o uso de efeitos práticos, adereços "old-school" e uma banda sonora à medida (The Newton Brothers) conferem o charme retro que tantos fãs do género procuram. As cenas de morte – por vezes gratuitas, mas visualmente criativas – são indiscutivelmente o ponto alto de "Rua do Medo: A Rainha do Baile", cumprindo com a promessa de um "slasher" sangrento. A atmosfera remete com sucesso aos clássicos dos anos 80, especialmente nas sequências passadas em corredores escuros, vestiários e festas estudantis.

Fowler ("White Lines") entrega uma prestação competente, mas é impossível ignorar o desperdício de Ariana Greenblatt ("Barbie"), uma jovem atriz com provas dadas de versatilidade e carisma. Infelizmente, é o argumento que compromete o conjunto geral. As motivações das personagens são superficiais, as revelações centrais demasiado telegráficas e o terceiro ato arrasta-se após uma reviravolta que deveria ter servido como clímax. Em vez disso, prolonga-se com explicações redundantes e um epílogo sem energia. A construção do mistério central, que nas obras anteriores era complexo e inteligente, aqui parece tão genérico que acresce ainda mais a dúvida sobre a sua inserção nesta saga.
No entanto, um dos maiores problemas de "A Rainha do Baile" reside na estrutura temática. Enquanto as obras originais abordavam questões como o preconceito social entre Shadyside e Sunnyvale, a marginalização de minorias, a repressão sexual e a perpetuação de injustiças através de gerações - tudo sob o olhar da maldição de Sarah Fier como metáfora para estas dinâmicas - este novo capítulo opta por explorar temas mais banais como a pressão parental, a popularidade adolescente e a vaidade. Não que estes tópicos não possam ser interessantes, mas aqui são tratados de forma demasiado simples e sem a densidade que os tornaria relevantes no contexto de "Rua do Medo".

A ausência quase total de referências à bruxa maldita ou à maldição que dominou a trilogia anterior torna-se particularmente estranha. Um rabisco na parede da casa de banho, uma fala passageira de um polícia - estes são os únicos vestígios da mitologia que outrora sustentava o peso emocional da narrativa. Se o título do filme fosse outro e o nome "Shadyside" eliminado, não existiria qualquer elemento distintivo que o conectasse ao universo em questão. Mesmo tendo em conta que os livros de R. L. Stine, nos quais os filmes se baseiam, não apresentam grandes ligações entre si, a adaptação cinematográfica optara por uma abordagem unificadora, o que torna esta mudança de direção difícil de aceitar.
É uma pena, pois o universo de "Rua do Medo" tem potencial para evoluir num formato semelhante ao de "Gritos", onde diferentes histórias de terror, com uma estética própria, podiam coexistir com uma mitologia central. Com criatividade e coesão, seria possível continuar a explorar os cantos sombrios de Shadyside, talvez revisitando outras figuras históricas associadas à maldição ou até estendendo a sua influência a novas gerações. Infelizmente, "A Rainha do Baile" não apresenta essa ambição.

Conclusão
"Rua do Medo: A Rainha do Baile" é uma parcela dispensável dentro de uma saga que merecia maior atenção e cuidado. Apesar de cumprir nos aspetos técnicos e entregar o mínimo exigido para agradar aos fãs de "slashers" nostálgicos, falha redondamente naquilo que fez da trilogia original um sucesso tão surpreendente: personagens com profundidade, uma narrativa coesa e temas com verdadeiro peso emocional. Com um argumento genérico, conexões forçadas e um desfecho frustrante, o filme de Matt Palmer acaba por ser mais uma nota de rodapé esquecível do que um novo capítulo digno do legado de Sarah Fier.
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