Verão de 85
A HISTÓRIA: Quando o barco de Alexis, de 16 anos, se afunda na costa da Normandia, David, de 18 anos, salva-o heroicamente. Alexis acabou de conhecer o amigo dos seus sonhos. Mas o sonho vai durar mais de um verão? O verão de 85.
"Verão de 85": nos cinemas a 24 de setembro.
Crítica: Hugo Gomes
Eis um filme que teria estado em competição pela Palma de Ouro no Festival de Cannes se este não tivesse sido cancelado por causa da pandemia.
Isto não impediu que não chegasse aos cinemas com o selo do festival e se a irregularidade pela qual François Ozon é conhecido nos faz esperar dele tanto o melhor como o pior, com “Verão de 85” chegamos ao limite dos autores que é a invocação de um saudosismo "proustiano". E ainda que o filme se fique por "temperaturas amenas", pelo menos conseguimos permanecer… um pouco mais descansados com o realizador.
Uma fotografia granulada da responsabilidade de Hichame Alaouie serve de alicerce a todo um exercício de descobertas emocionais em tenras idades com uma específica reconstituição temporal que é um verdadeiro truque de ilusionismo: o de converter aquilo que é “piroso” em verdadeiros "tours de force "das suas personagens (e não estamos apenas a pensar no “Sailing” de Rod Stewart como parte de uma dança fúnebre transformada em despedidas de amores angustiados).
Neste cinema em desuso, desde logo com o início umbiguista, o espectador é enganado com uma revelação: “Eu cometi um crime”.
"Mas qual crime?", perguntarão os espectadores perante a narrativa pedante e a miopia emocional com que o protagonista Alexis (Félix Lefebvre) nos aflige, sempre relembrando as suas ambições para com a literatura.
De facto, François Ozon é filho de um cinema francês cada vez mais órfão dos seus heróis. Em “Verão de 85”, a sua câmara aponta aos devaneios materializados anteriormente assinados por François Truffaut - os desejos que projetamos em “outros”, sejam animados ou inanimados.
Desta feita, o suposto filme-primo de “Chama-me Pelo Teu Nome” (aqui trocando o fluvial pelo balear, mas sempre focado no seu bucolismo) afasta-se das etiquetas de cópia à francesa para incidir, como sempre em território de Ozon, nas causas dos autores que ele admira, já que não é verdadeiramente original no que faz.
Há momentos, e não são poucos, dignos de nota devido à sua delicadeza e espiritualidade com as memórias passadas: "Verão de 85" acaba por ser um passo adiante se for comparado com trabalhos anteriores, que iam do académico (“Graça a Deus”) ao estilizado lascivo (“O Amante Duplo”), condensando um trabalho ambicioso e resumido num certa tendência de cinema autoral do celebrado realizador de "Sob a Areia", "8 Mulheres", "Swimming Pool" ou "Dentro de Casa".
E sim … “Sailing” faz figura, num ápice, transformado num "single" terminal deste romance mórbido com rasgos de desafiar o seu próprio (e pequeno) mundo.
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