A caminho dos
Óscares 2022
West Side Story
A HISTÓRIA:
"West Side Story": nos cinemas a partir de 8 de dezembro.
Crítica: Hugo Gomes
Ele “conheceu e beijou uma rapariga chamada Maria”, encontro que depressa transformou todo o seu mundo. Um romance de contornos shakespearianos no quente do asfalto de Nova Iorque, questionando a rivalidade mortal entre duas facções particulares de gangues, de um lado aqueles que julgam que a América pertence apenas a eles por mérito próprio, e do outro, os latinos que procuram na Terra das Oportunidades a sua chance de vingar.
Uma história secular que alcança a contemporaneidade dos confrontos raciais num modo escapista, apropriado de um musical de igual nome estreado na Broadway em 1957. Não é “Maria” a faísca para a ebulição de todo conflito, mas sim, “West Side Story: Amor sem Barreiras” (1961), uma partitura dividida por Robert Wise e Jerome Robbins, feito que conquistou 10 Óscares (incluindo o de Melhor Filme) e se tornou um dos filmes norte-americanos mais populares décadas após décadas.
Atualmente, com a assertividade dos debates étnicos e o calor do ativismo pós-Black Live Matters, a existência longínqua de “West Side Story” era motivo que bastasse para uma revisão, até porque o romance, hoje em dia, não é o suficiente para o culminar de prolongados efeitos político-sociais, e a matéria de que compunha o bailado de navalha na mão continua presente no nosso “agora”, e de forma mais reagente.
À sua maneira, tivemos recentemente essa reconstrução modernizada pelo cunho de Lin-Manuel Miranda em “Ao Ritmo de Washington Heights” [ler crítica], pregando e salientado uma maior importância latina nos bairros nova-iorquinos. Porém, a necessidade era outra, não a de pensar sobre o material trazido pelo lado oeste, e sim o de prolongar um legado, o musical dito e feito que vingou há 60 anos.
Steven Spielberg é assim responsável por essa busca da luz eterna de Hollywood através de um “West Side Story” que, antes de mais, se cola ao legado do anterior e perpetua um desejo nostálgico de um género outrora moribundo. Talvez seja por esse enfoque pela ingenuidade que a versão Spielberg agrade aos mais saudosos e os suspirantes pelo cinema com que cresceram. Sendo isso, a pílula temporal joga a seu favor, demonstrando a mestria de Spielberg no espetáculo cinematográfico, no encantamento do musical “à antiga” e na acentuação do biótopo envolto do fulcral e crucial romance.
Sim, o “West Side Story” spielbergiano está a léguas do desastre que se avizinhava (para os crentes de Spielberg tal afirmação é uma heresia do tamanho do Mundo), mas fora essas qualidades técnicas é uma produção desnecessária mesmo com o contexto atual. O gesto de suposta homenagem do realizador proclama-se como ingratidão, uma sobreposição à “velha” versão, como se de uma segunda demão se tratasse. À mercê disso, o romance (com Ansel Elgort e a “estreante” Rachel Zegler a herdar a tragédia amorosa de Richard Beymer e Natalie Wood) é pálido, e por vezes de ênfase plastificado, face à hercúlea construção da comunidade que orbita nas suas dores e juras.
Nesse sentido, é no secundário, nos vibrantes alicerces, que esta atualização faz merecer o seu lugar ao sol, entre os quais, e com principal destaque (sublinhamos os seus nomes sobre o casal protagonista), Ariana DeBose e Mike Faist, que atribuem, ora fisicalidade, ora perversão, ora afinco, nas suas respetivas personagens. Aliás, há mais esses elementos neles que propriamente numa restante produção, algures entre a decoração pujante ao serviço de uma memória (sem esquecer o vínculo direto com o original graças à presente de Rita Moreno).
É a memória de uma Hollywood no limiar da sua Era Dourada e do limbo pré-Nova Hollywood que definiria o cinema moderno norte-americano. Sim, os anos 60 foram uma fase estranha na produção cinematográfica do outro lado do Atlântico, uma disputa entre o conservadorismo e as novas linguagens que despertavam. Contudo, não serão esses os mesmos campos de batalha que também experienciamos de momento em tela?
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