Ao Ritmo de Washington Heights
A HISTÓRIA: As luzes acendem-se em Washington Heights... o cheiro a café quente ("cafecito caliente") paira no ar mesmo à porta do metro da rua nº181, onde um caleidoscópio de sonhos se reúne entre uma comunidade unida. Na intersecção disto tudo, Usnavi (Anthony Ramos) é o dono de uma simpática e magnética mercearia que poupa cada cêntimo. Esperançoso, canta e imagina uma vida melhor.
Nos cinemas a partir de 10 de junho.
Crítica: Hugo Gomes
Algumas vozes "pessimistas" apontaram o fracasso de “Cats” como a pedra final para a lápide do musical norte-americano, um género outrora glorioso em Hollywood que passa por um destino idêntico ao western e que depende de "reinvenções" e "desconstruções". E é assim que, chegando a esta atualidade pós-pandémica em que o mundo do cinema “aguarda” (entre aspas porque não o vemos muito entusiasmado) pela nova versão de “West Side Story” por Steven Spielberg, estreia entre nós mais um clássico exemplo de “Hollywood vai à Broadway à procura do seu novo sucesso”.
Em todo o seu processo, “Ao Ritmo de Washington Heights” tem como criador crucial o ator, compositor e encenador Lin-Manuel Miranda (“Hamilton”). E a verdade é que, através da sua figura, ora de presença fugaz no grande ecrã, ora invisível, o filme parece deslocar-se em ritmo próprio para a sua identidade, que não é autoral mas cultural: o filme bem pode ser dirigido por Jon M. Chu, californiano com raízes asiáticas, mas mantém, explora e sobressai um tom maioritariamente latino.
Este musical que partilha as mesmas geografias de “West Side Story”, assim como as suas frustrações quanto ao dito sonho americano, transporta-nos para um bairro onde uma comunidade floresce quase sem contacto com o resto de Nova Iorque. Aqui, são as ditas "minorias" que nos convidam para os seus espaços e intimidades, enquanto os brancos, que se contam pelos dedos, são meros figurantes oriundos de um mundo à parte onde usufruem os seus privilégios. Os protagonistas são cubanos, dominicanos, costa-riquenhos, etc., origens que ostentam com orgulho enquanto as políticas locais (e nacionais) as olham com tremendo desdém.
“Ao Ritmo de Washingtons Heights” propõe-nos isto, a diversidade e representatividade não como tendências, mas mudanças em géneros duradouros ou em indústrias com centenas de anos. É um musical algo politizado que nunca abandona a sua ingenuidade emocional, mas que reafirma o encanto pela sua própria musicalidade. Portanto, existe aqui um conservadorismo formal enquanto musical de Hollywood, pelo que reinvenção ou desconstrução não se aplicam a este bailado (por vezes filmado como se fosse cinema de ação). A sua arma de suposta sofisticação é a de assertar aquilo que tem sido assertado: são as mesmas histórias, mas transladaram para novos protagonistas.
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