As Pontes de Madison County
A HISTÓRIA: Robert Kincaid, jornalista fotográfico da National Geographic e Francesca Johnson, uma dona de casa do Iowa, não estavam à procura de qualquer reviravolta nas suas vidas. Cada um já tinha chegado a um ponto da vida em que as expectativas pertenciam ao passado. Contudo, quatro dias depois de se conhecerem não querem perder o amor que encontraram.
Crítica: Filipa Moreno
Clint Eastwood pendurou o chapéu de cowboy por instantes, em 1995, para realizar e protagonizar “As Pontes de Madison County”. Ao seu lado esteve Meryl Streep. A dupla é responsável por uma das histórias de amor mais bonitas que o cinema alguma vez viu. Uma história de amor à moda antiga, mesmo sem um final feliz.
Quatro dias bastam para se viver uma intensa história de amor, depois de Francesca Johnson (Meryl Streep) ver chegar à sua porta – numa quinta algures no meio do Iowa – a carrinha de Robert Kincaid (Clint Eastwood). Fotojornalista da National Geographic, Kincaid está em Madison County para fotografar as pontes cobertas que ali existem. Francesca é uma dona de casa aborrecida com a vida na quinta. Italiana de origem, conheceu o marido durante a guerra e viajou com ele para os Estados Unidos. Agora, os dois filhos do casal estão distantes e o silêncio impera na sua vida mecânica onde as tarefas da casa se sucedem.
Robert perturba essa rotina quando a família está fora e Francesca se encontra sozinha. Como um viajante sem pouso, o fotógrafo está envolto em mistério e charme. A paixão é intensa mas resume àqueles quatro dias. A família regressa, Francesca não tem coragem de partir com Robert e ambos seguem as suas vidas, mantendo como boas as memórias que ali viveram.
Nem Clint Eastwood nem Meryl Streep foram os primeiros nomes em cima da mesa na adaptação deste romance – feito por Richard LaGravanese a partir do original de Robert James Waller – para o grande ecrã. Mas nenhuma outra escolha teria sido mais acertada. A química entre Eastwood e Streep faz desta história de amor um romance com longevidade garantida. Não interessa que sejam protagonistas numa fase avançada das suas idades.
Poucos ficam impávidos perante a emoção do filme. E se Meryl Streep é magistral desde o primeiro momento, só a meio do filme notamos na entrega de Clint Eastwood. Depois de uma discussão que Francesa provoca durante o último pequeno-almoço dos dois – desesperada com o fim do sonho –, Robert deixa finalmente cair a faceta de lobo solitário. Clint Eastwood fê-lo trocando o habitual sobrolho franzido por uma cara preocupada e sincera. Já não é o cowboy que nos habituámos a ver nos westerns. É um ator verdadeiro na pele de uma personagem frágil. Por isso, quando Francesca sobe ao quarto e Robert está deitado na cama, é ela quem o abraça. A dinâmica entre as personagens altera-se nesse instante e o poder de conduzir a ação passa para as mãos dela. Há mesmo um momento em que Clint Eastwood chora e Meryl Streep contou que, durante a filmagem, perguntou ao realizador porque escolheu esconder as suas lágrimas atrás da cara da atriz.
Elogiando a realização de Clint Eastwood, tanto quanto o seu trabalho como ator, Meryl Streep reproduz a explicação que recebeu: Eastwood preferiu sublinhar a carga emocional da cena, mesmo que em detrimento do seu desempenho como ator. Ficamos quase na dúvida sobre se, de facto, chorou naquela cena. Mas ao conhecer este episódio da filmagem, percebemos o que dizem aqueles que trabalharam com Clint Eastwood em “As Pontes de Madison County” e que dão conta de um realizador simples, humilde e dedicado ao âmago do filme. Um realizador sem pressas, enigmático e carismático. Tudo características que emprestou à sua personagem.
O momento alto desta química dos protagonistas é uma das cenas mais intensas. Francesa espera que o marido regresse ao carro. No meio de um dilúvio, vê Robert de pé, na chuva. E a sua expressão é de total vulnerabilidade. Espera que Francesa recue na sua decisão de não deixar a família, para a proteger do desdém de toda a cidade. Logo de seguida, a carrinha de Robert está parada no semáforo em frente à de Francesa. Com o marido ao seu lado no carro, ela fixa o olhar em cada movimento de Robert. Pergunta a si mesma se continuaria ele a querer partir com ela. Até que Robert tira do porta-luvas o medalhão que Francesca lhe dera e o pendura no espelho retrovisor da sua carrinha, o sinal por que ela esperava. Francesca roda o manípulo da porta. Na ponta do sofá, quase queremos que a abra. Mas a luz do semáforo passa a verde e a carrinha parte. A história resiste perfeitamente ao cliché, mesmo que para isso tenha de ser uma história de amor triste.
A cena do carro deixa-nos de coração irremediavelmente partido. É a última vez que Francesca vê Robert, até ao final das suas vidas. O filme passa-se aí mesmo: depois do final das vidas dos dois, quando os dois filhos de Francesca (já adultos e ambos infelizes nas suas relações) tomam conhecimento daqueles quatro dias – um artifício para enquadrar a história e explicar alguns pormenores a que o livro nos poupa. Nesse presente, os filhos de Francesca parecem ficar tão inebriados pela sua história com Robert quando os espectadores. A verdade é que o filme resistiu ao teste do tempo, talvez por causa daquela química em cena, talvez porque recupera o espírito do cinema clássico, para o que muito contribuem os blues da banda sonora, a sair do rádio de Francesca.
A música é o único sinal de movimento em vários momentos do filme. A ação respira. As personagens param. A história espera. Todas estas opções de realização acrescentam tensão a cada momento e mostram que Clint Eastwood, como realizador, não tem pressa.
Cada pormenor é cuidado. A personagem de Meryl Streep muda de roupa, maquilhagem e até penteado, mostrando-se em vestidos conservadores quando está com a família. Com Robert, solta o cabelo, usa brincos e veste roupas mais descontraídas. Cita a poesia de Yeats e Byron. Quando o marido e os filhos regressam a casa, Francesca volta às roupas tradicionais. Ela mesma diz que Robert lhe despertou sentimentos e ideias que não sabia ter dentro de si. E uma fica até ao fim: “This kind of certainty comes but just once in a lifetime”.
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