A HISTÓRIA: As diferenças entre classes sociais no México estão cada vez mais acentuadas. Um luxuoso casamento da alta sociedade é interrompido por um grupo de desprivilegiados, armados e violentos, que se revoltam e fazem dos convidados reféns. O exército mexicano usa a desordem causada como pretexto para estabelecer uma ditadura militar no país.

"Nova Ordem": nos cinemas a partir de 23 de setembro.


Crítica: Hugo Gomes

“Nova Ordem” é um filme com a assinatura do mexicano Michel Franco sem a sua habitual assinatura (assim pensávamos nós), trocando os seus ensaios de foro psicológico, lentos e quotidianamente retalhistas (“As Filhas de Abril”, “Crónica”) por um enredo sociológico cozinhado em panela sob pressão.

A viagem começa com imagens soltas, estetizadas e de uma simbologia ainda privada, atiradas à cara do espectador como uma coletânea desorganizada em busca do seu próprio significado. Isto deveria alertar-nos para o que aí vem.

Depressa partimos para um casamento de classe alta. Convidados de copo na mão discutindo futilidades e pavoneando-se com os seus adornos caros, tão caros que só uma dessas peças valeria mais que um ano de trabalho dos “invisíveis” que se movimentam entre eles. Os serviçais, obviamente, os condenados submissos pelas migalhas deixadas pelos que estão no topo.

Mas algo aconteceu. Uma reação inesperada de uma cidade farta, desesperada e de uma revolta inconsolável. O que parecia ser uma rebelião, um BASTA em uníssono aos privilegiados, converte-se num hediondo crime de várias estripes. O estabelecer de uma prometida nova ordem... que não é mais do que a continuidade da mesma, a possível e única que conhecemos – “a lei do mais forte”.

Michel Franco sacrifica tudo e todos, desde as causas às boas ações, tudo se amontoa e desintegra para servir apenas um presságio. O cineasta desejou trazer à luz a fragilidade e incompatibilidade das revoluções. Porque não resultam? Porque se transformam em sistemas expirados, só que com novos protagonistas? As respostas encontram-se nas entrelinhas deste martírio...

É certo que para quem conhece o trabalho de Michel Franco, a surpresa está neste radical gesto, nesta dinâmica com que tece uma ficção científica de esquina, uma hipótese… ou talvez protótipo. “Nova Ordem” pode não ser o novo “Saló ou 120 Dias de Sodomia” de Pasolini, mas aproxima-se à sua natureza: esta é uma obra de choque e de apelo às nossas emoções, com o intuito de as direcionar para a compreensão de um fenómeno de classes sociais – como elas são geridas, mantidas e renovadas.

Pensando bem, vista a ‘coisa’, Michel Franco não descartou as demandas psicanalíticas dos seus outros filmes: continua a fazê-lo, mas em relação ao nosso reacionarismo. Lidamos mal com as revoluções porque não sabemos realmente o que fazer com elas.