
Matheus Paraizo não é estranho aos palcos nem às câmaras. Ainda em criança, deu nas vistas em programas de talentos como "Uma Canção para Ti", "Factor X" e "The Voice Portugal". Ao longo dos anos, foi moldando a sua identidade artística longe dos holofotes, procurando uma linguagem mais fiel ao que sentia. Em 2025, essa busca culmina na estreia de "Na vdd,", um álbum profundamente pessoal que reflete anos de autoanálise, experimentação e vulnerabilidade.
SAPO Mag - A tua ligação com a música já vem de longe. Que balanço fazes da tua evolução, desde os primeiros passos na televisão até chegares a este momento, em que lanças finalmente o teu primeiro álbum?
Matheus Paraizo - [Uff], tem sido uma longa jornada. Acho que sempre fui uma pessoa que se atirava de cabeça às oportunidades, desde pequeno até hoje. Sempre que surgia uma hipótese de me expressar, cantar ou fazer qualquer coisa, eu agarrava-a. A exposição desde miúdo teve os seus desafios, claro, mas ajudou-me muito a crescer como performer e músico. Sinto que não seria o artista que sou hoje — e do qual me orgulho — sem essas oportunidades. Portanto, sim, houve uma evolução e estou bastante orgulhoso de mim.
No ano passado já deixaste algumas pistas sobre o universo sonoro deste álbum, nomeadamente com os singles "Nada Muda" e "Compreender". Em que medida é que estas faixas representam a essência do disco?
Sinceramente, durante muito tempo não tinha decidido quais seriam os singles. O álbum já estava praticamente escrito e quase todo produzido antes de lançar essas músicas. A escolha foi mesmo da minha equipa. Acho que "Nada Muda", em particular, representa muito bem a essência do disco, que fala sobre a verdade e admitir as partes mais sombrias da vida. Nesta música falo sobre aquela fase de procrastinação e estagnação em que todos nós caímos, onde queremos crescer mas estamos presos, muitas vezes a navegar no TikTok ou Instagram, sem vontade de sair dali porque custa mudar. O álbum todo é um pouco essa jornada interior de querer melhorar.
Este é, de facto, um álbum muito pessoal, quase um diário cantado. Houve algum momento em que hesitaste em expor tanto de ti?
Curiosamente, não. Durante o processo de escrita e produção, nem tinha bem noção de que o álbum seria lançado. Fiz este álbum muito para mim. Só no final, quando percebi que ia mesmo sair, comecei a sentir algum desconforto, um pouco de nervosismo. Mas sempre fui alguém que não tem medo de admitir o que sente, de falar demais, de me expor. Aqui nunca achei que fosse demasiado, porque esta honestidade crua está revestida em música que amo fazer. É uma mensagem importante, por isso não hesitei.
Acho que as pessoas deveriam ser mais honestas intelectualmente, admitir mais as coisas, chegar à verdade, porque só assim crescemos.
Como artista, onde traças a linha entre o que é íntimo e o que é partilhável? Há coisas que preferes guardar só para ti ou acreditas que tudo pode ser transformado em arte?
Acho que tudo pode ser transformado em arte, desde que se torne algo benéfico para os outros, algo que vale a pena partilhar. Nem sempre contar as coisas diretamente funciona, mas se transformarmos em música, faz sentido. Por exemplo, não iria dizer certas coisas numa conversa casual, mas num álbum, naquele contexto, faz sentido. É aí que traço a linha: se aquilo que partilho pode ser algo positivo e benéfico para quem ouve.
No álbum abordas temas como o amor, a perda e a reconstrução interior. Qual foi a canção mais difícil de compor ou gravar, emocionalmente falando?
Foi "Virtude e Suplício". Essa música fala de uma parte muito íntima e espiritual minha. Quando a escrevi, não estava nada bem, pois desde pequeno luto contra problemas de saúde mental, algo muito presente neste álbum. Foi difícil como cantor, porque sou muito exigente comigo e queria passar emoção crua sem perder o controlo técnico. Não sabia onde traçar a linha entre técnica e emoção. Sempre que canto essa música, lembro-me das dificuldades que vivi. Foi a mais difícil, mas também a mais gratificante.
A sonoridade do álbum mistura R&B, pop e elementos instrumentais. Como chegaste a este equilíbrio? Foi um processo natural ou mais pensado?
Durante a criação nunca pensei muito em géneros musicais. O R&B estava presente porque é o que consumo, mas não acredito muito em géneros — penso que foram criados pelas rádios e a necessidade de encaixar as coisas em caixas. O álbum reflete o que eu ouvia. Quanto à coesão, fui sempre pensando nisso ao longo do processo, porque queria que tudo estivesse num universo coerente. No início não pensei muito nisso, mas na fase de polir o álbum tive de fazer escolhas para garantir essa coerência.
Sempre fui uma pessoa que se atirava de cabeça às oportunidades, desde pequeno até hoje. Sempre que surgia uma hipótese de me expressar, cantar ou fazer qualquer coisa, eu agarrava-a.
Estiveste envolvido em todas as fases da criação, desde a escrita — todas as músicas são da tua autoria — até à produção. Como decides que uma música está terminada, que já disseste tudo o que tinhas para dizer?
Ainda estou a tentar descobrir essa resposta. É como um pintor que não sabe quando o quadro está terminado. O meu engenheiro de som, Sassá [Nascimento], disse-me algo importante: as músicas não se acabam, desistimos delas. Às vezes é mesmo assim. E eu, sendo tão exigente, tinha expectativas que a música nem sempre pedia. No fim, tive de marcar uma deadline e dizer: chega! Levei cinco anos a fazer este álbum, e por isso decidi que já era tempo de parar.
Depois de lançar um álbum tão íntimo, num processo que durou 5 anos, como te sentes agora? Mais leve, mais exposto, mais resolvido, ou uma mistura de tudo?
Sinto-me mais leve e resolvido, definitivamente. Não só porque o álbum saiu, mas porque vivi todo este processo e a maioria das músicas já têm mais de três anos. Graças a Deus, estou mais resolvido do que quando as escrevi. Se não estivesse, teria preocupações, porque é triste expressar-me assim sem estar resolvido. O processo foi pesado e frustrante — como sou tão exigente, por vezes achava que não estava bom o suficiente — mas agora que lancei, sinto muito orgulho, estou feliz e pronto para novos desafios.
Falaste em músicas que tens na gaveta há anos. Como vives agora essas canções? O significado delas mudou com o tempo? A tua relação com elas é menos conflituosa?
Sempre escolhi as músicas para o álbum pensando se, daqui a 10 ou 20 anos, me iam orgulhar e fazer sentido. Não tanto pela produção ou técnica, mas pelo conteúdo e pela forma de expressar as ideias. Fiz uma seleção inteligente para não me arrepender no futuro. Nunca tive uma relação conflituosa com elas, mas algumas, quando as canto nos concertos, ainda mexem comigo. Tenho algumas mágoas, mas são parte importante do meu processo e sinto-me feliz por as sentir.
Como tem sido o feedback do público desde o lançamento do álbum?
Tem sido incrível! Recebo muitas mensagens, algo que ainda não tinha acontecido antes, pois fui lançando os singles aos poucos e as pessoas ainda estavam a tentar perceber. Agora que o projeto está completo, recebo muitas mensagens emocionadas, e isso é muito gratificante. Cada pessoa tem a sua música favorita, o que me deixa feliz, mas de forma geral, percebem a vulnerabilidade, a coesão e o cuidado que coloquei no álbum. Muitas pessoas ouviram o álbum de início ao fim, o que é raro hoje em dia. Recebi mensagens de pessoas que nem me conheciam, a agradecer pela partilha e isso é muito especial.
No dia 5 de junho vais apresentar o álbum no Musicbox, em Lisboa. O que podemos esperar deste concerto? O que podes revelar?
Podem esperar que tudo o que ouvirem será ao vivo. Somos eu e quatro músicos, a fazer música orgânica, com momentos especiais e diferentes. Vai ser muita música e bons vocais, de forma muito genuína.
Não acredito muito em géneros — penso que foram criados pelas rádios e pela necessidade de encaixar as coisas em caixas.
Estás preparado para mostrar essa vulnerabilidade a tanta gente ao vivo?
Sim, estranhamente estou. Já ansiei muito por este dia. Sinto-me confortável em palco, apesar do nervosismo normal por ser tão íntimo. Estou preparado para este exercício de estar nu e vulnerável perante as pessoas, para contar a minha história, porque acredito no poder dessa honestidade. Acho que as pessoas deveriam ser mais honestas intelectualmente, admitir mais as coisas, chegar à verdade, porque só assim crescemos. Para mim, não é só música, é um conceito de estar no palco e dizer verdades difíceis, mas em forma musical. Estou muito entusiasmado.
Agora que "Na Verdade" está lançado, que caminhos gostavas de explorar musicalmente?
Sinto que preciso de férias. Nunca tirei férias desde que saí de casa dos meus pais aos 18 anos, nunca mesmo. Agora, financeiramente e emocionalmente, sinto que posso e preciso parar um pouco para que a minha cabeça esteja noutro sítio, para que possam surgir novas ideias. Já tenho algumas, mas precisam de ser muito maturadas. Amo criar música e quero fazer disto a minha vida, mas antes de começar outro projeto, o Mateus precisa mesmo de umas férias, sem dúvida.
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O concerto no Musicbox, em Lisboa, decorre já esta quinta feira, dia 5 de junho, pelas 21hoo e os bilhetes podem ser adquiridos aqui.
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