A adaptação da homónima peça de teatro de Tiago Gomes Rodrigues, que já conta com oito anos, “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas” estreia como algo datado no frenesim das estreias no circuito comercial de cinema. É um filme sobre um país nos ares da troika, onde a austeridade estabeleceu um certo abstrato a um Portugal em plena fuga (ninguém sabe para onde). E é através desse surrealismo que nos fiamos na figura da girafa, animal esse que, segundo a nossa protagonista, seria uma criação mitológica se não existisse na realidade.

A girafa é então a representação dessa disfuncionalidade que opera como um organismo único, e como tal Tiago Guedes, que antes de embarcar na grande produção de Paulo Branco – “A Herdade” [ler crítica] – materializa a encenação e a enquadra visualmente num alegoria universal e mesmo assim reconhecível.

Contra as vozes que querem transmitir o desespero da nossa subjugação à Europa e aos seus fundos e mais fundos para os dias de hoje, “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas” encontra apoio na sua protagonista (Maria Abreu), pré-adolescente inadaptada à realidade que a espera, e cuja jornada vai ser traduzida como um "comig-to-age"… ao lado do seu brejeiro ursinho de pelúcia (Tónan Quito)… como uma alusão à nossa ingenuidade política e social.

Aqui a imaginação e as desventuras de um “regresso a casa” diluem-se como aquarelas na narrativa do filme, que se prolonga no seu intenso “faz-de-conta”, respeitando a natureza da peça e, acima de tudo, o regulamento funcional do teatro enquanto arte de contar histórias.

Em tempos em que o público português pede ao seu cinema o realismo que a aura autoral nega, “Tristeza e Alegria na Vida das Girafas” vem desafiar essa “necessidade” com uma absurda parábola que nos coloca em cheque quanto ao “estado das coisas”, desde as ruas afirmadas como tais até às ilusões que cada cidadão detém como motivação nas suas mundanas vidas. Infelizmente, chega às nossas salas depois de “A Herdade” e em oposição de um filme à moda de Paulo Branco, temos aqui um trabalho assumidamente Tiago Guedes (mesmo que seja tecnicamente descuidado face ao anterior/posterior).

O final violento e trágico marca essa passagem na vida. Por vezes somos obrigados a abandonar as nossas convicções de longa data para nos integrarmos nos conformes socialmente aceites deste quotidiano. Acima de tudo, o que o filme nos diz é que este Portugal da troika ainda vive em nós, quer para a alegria ou para a tristeza, como uma dualidade, daquelas falsamente impostas pela versatilidade do desempenho de Miguel Borges.

"Tristeza e Alegria na Vida das Girafas": nos cinemas a 21 de novembro.

Crítica: Hugo Gomes

Trailer: