Calvi entra em palco e com ela o blues rock obscuro remanescente de cinematografias western e de noirs glamorosos com mulheres fatais inesquecíveis. E é essa a imagem que visualmente nos deixa, sedutora na determinação e na elegância compenetrada com que toca, na candura vocal que vai dividindo espaço com uma força e projeção invejáveis e , por último, na expressividade amarga e lasciva em que são contadas as histórias das canções.

À semelhança do álbum homónimo de estreia, abriu o concerto do Hard Club com o instrumental Rider to the Sea, seguido por No More Words, a evocar o white soul das conterrâneas Dusty Springfield e Petula Clark, com um toque acrescido de dramatismo. Blackout e Desire, primeiro e segundo single, respectivamente, encaminham-se numa linha pop mais convencional, mas nem por isso deixaram de mostrar o poderio vocal desta cantautora. Porém, terá sido em Suzane and I que a magnitude do aparelho vocal de Calvi mais se evidenciou, o que lhe valeu um aplauso demorado que tentou constrangedoramente interromper com perguntas dirigidas ao público. Não deixou de ser curioso o contraste entre a performer assertiva e pujante e a rapariga envergonhada que se revelou, ao agradecer tímida, abraçando e escondendo-se atrás da fender telecaster.

Se em Morning Light a guitarra esmorece, em Love Won't Be Living atingiu o expoente, num trabalho intenso onde ficaram mais que comprovados os engenhos instrumentistas de Calvi.
Com excepção dos temas do disco foram tocados dois lados-b: Moulinette e Surrender, versão de Elvis Presley, com o harmónio de Mally Harpaz a conferir um toquesinho de chanson française. Uma referência assumida com Jezebel, originalmente cantada por Edith Piaf, o single antecessor com que encerrou o espectáculo.
Para além de Harpaz, percussionista, fez-se acompanhar por Dan Maiden-Wood, na bateria e nos coros.

Anna Calvi poderá muito bem não ser a melhor a coisa a seguir à Patti Smith, ao contrário do que disse Brian Eno, mas, goste-se ou não, é dona de um talento inquestionável, materializado pelos dois atributos que executa com indubitável excelência: a supra-capacidade guitarrística e o portento vocal de que aufere.
Mas, se atentarmos no facto de que conta com uma carreira imberbe, não lhe faltarão tempo e oportunidades para contradizer os mais céticos. Numa altura em que proliferam os hypes efémeros, reúne mais do que condições que lhe possam vir a garantir um lugar na história da música pop.

A primeira parte ficou a cargo dos Dear Telephone, fundados em 2010 e compostos por
André Simão (voz, baixo e guitarra), Graciela Coelho (voz), Paulo Araújo (teclados, saxofone) e Pedro Oliveira (bateria).”Birth of a Robot” (2011), o ep de estreia e único lançamento do projeto até então, regeu a actuação, finalizada com uma novidade ainda sem título. A base pop orgânica instrumentalmente interessante, onde dialogaram as vozes de André e Graciela, foi deixando a plateia curiosa e interessada.

Setlist:

Rider to the Sea
No More Words
Blackout
I'll Be Your Man
First We Kiss
Surrender
Morning Light
Suzanne & I
Moulinette
Desire
Love Won't Be Leaving
The Devil
Jezebel

Texto: Ariana Ferreira
Fotos: Ricardo Almeida