Palco Principal – Não são os embaixadores do kuduro, mas são os responsáveis pela difusão do género além-fronteiras africanas…

Riot – Nunca nos vimos como mestres ou embaixadores do kuduro – isso seria uma ofensa para os artistas que estiveram na origem deste estilo. Para nós, o kuduro é uma influência como outra qualquer. Qualquer banda ou projeto tem uma influência, não necessariamente de outras bandas, mas de coisas que gosta.

Andro – A existência de festas africanas em Portugal vem de há muito tempo, já desde os anos 80. Em 1992/1993, já se ouvia kuduro por cá. Aliás, muitos dos discos do género eram misturados e masterizados cá. Portugal esteve sempre dentro deste universo. Nós conseguimos ter os olhos postos em nós pela forma e pela organização que impomos no que fazemos.

PP – Trouxeram, digamos assim, para fora de casa um género que estava mais escondido…

R – Sim, algo que as pessoas queriam sentir…

A – Sim, acho que fazia falta!

R – Nos primeiros concertos que demos, as pessoas tiravam a roupa, desmaiavam – era uma loucura! Até se tornava estúpido. As pessoas queriam isto, queriam que fosse legal curtir, não só numa discoteca africana, mas também num clube onde passasse Prodigy, Chemical Brothers, Richie Hawtin… E, de repente, aparece um projeto com um beat tanto de Angola, como dos subúrbios de Lisboa e o que acontece é magia. Agora chamarem-nos embaixadores do Kuduro progressivo… As pessoas, quando não sabem como rotular uma banda, põem «progressivo» à frente.

PP – Kuduro: um género de certa forma marginalizado pré-Buraka?

A – O Kuduro de Angola era, na altura em que nós aparecemos, considerado pela sociedade uma coisa marginal. Desde então, ganhou mais reconhecimento, com artistas a serem premiados, com o festival internacional I Love Kuduro, que já vai na segunda edição, com 40 mil pessoas a assistir… A música está mais direcionada para clubes, em vez dos guetos, os produtores tentam aprimorar mais as coisas, há coisas novas a acontecer: coisas mais lentas, mais polidas, mais «maricas»… Hoje existe o kuduro experimental, o kuduro evangélico, o kuduro gangster…

R – E nós, Buraka, somos um galhinho nesta árvore.

PP – Não só apostam nas atuações ao vivo, em salas de espetáculos e festivais, como também em DJ sets, em clubes…

R – Por norma, um espetáculo de Buraka Som Sistema é ao vivo. O nosso live tem duas baterias, programações, MCs, vídeo, balões, pistolas de água… E isto é, claramente, diferente de passar som no clube Mercado, onde era só eu e o João [Barbosa], com a Petty e o Andro lá à frente, e com o Kalaf de vez em quando. São dois ambientes completamente diferentes, mas ambos muito fixes. No DJ set, misturamos Buraka com outros artistas, criamos essa interação. Mas ao vivo somos muito mais fortes. É normal ouvirmos aquela conversa: “Epá, pensava que vocês, ao vivo, eram uma cena mais calminha”…

A – São contextos diferentes e nós fazemos diferente, consoante os sítios. Num ambiente mais intimista, mais pequeno, as pessoas têm tendência para curtir a música só para si e fazerem aquilo que fazem quando estão na casa de banho a dançar. Quando estás no meio de um festival, há quem faça mortais ou se ponha às cavalitas. Há países onde vamos tocar para cinco mil pessoas e aí chega-se mesmo à loucura, doença mental, com pessoas a tirarem a roupa e tudo!

R – Nos países latinos há sempre aquela questão católica: “ai, a vizinha depois vai dizer que andei ali aos saltos”. Mas nos outros países isso nem se tem em consideração.

PP – Em que espetáculos ao vivo se inspiraram para criarem atuações com um impacto tão grande?

R – Lembro-me que, na altura em que começámos, falávamos dos Prodigy, em tentar transmitir aquela energia dos seus tempos áureos. Foram uma das minhas principais influências – mais pela energia em palco do que propriamente pela música.

A – Também falávamos dos Da Weasel. Em termos de espetáculo, também tinham muita energia…

R – Vês? Duas influências: Prodigy e Da Weasel – uma internacional, outra nacional!

PP – A enchufada – a editora que vos agencia – está sempre muito atenta aos movimentos musicais que surgem um pouco por todo o mundo. Em que medida isso contribuiu para a vossa busca constante pela novidade?

A – Para nós, é muito bom ouvir pessoas que trabalham de forma diferente da nossa. Há coisas que um pode achar extremamente horríveis, outro espetaculares. Cada um tenta empurrar o seu barco para a frente e isso faz com que cheguemos a boas conclusões.

R – Quando oiço um estilo de música diferente, posso achar uma grande «azeitice», mas tento sempre perceber o que é que aquilo tem de engraçado. Há sempre qualquer coisa… Um exemplo é o som que lançámos – o Zouk Flute, que vem da nossa vontade de querer pegar no ritmo do kizomba, do zouk, da tarracha, do que lhe quiserem chamar… Não consumia zouk, mas gosto do ritmo. E em relação ao kizomba, o Andro sabe quais são as três músicas que consigo ouvir. Mas, quando estamos numa carrinha, em aviões, durante horas a fio, vamos falando: “Por que é que temos de fazer este som limpinho? Por que é que temos de ter pouco baixo? Não, vamos fazer a nossa kizomba!”. É assim que trabalhamos. Desde o concerto até à criação de música, achamos piada a coisas diferentes, não negamos à partida uma ciência que desconhecemos. Às vezes até fazemos coisas duma maneira, precisamente por não ser aquela a maneira de as fazer!

A – Que é quase sempre… (risos)

PP – Quando se juntam em estúdio, qual o vosso método de trabalho?

R – Há aqueles momentos de epifania, em que eu fico sozinho e o pessoal vai tomar um café. Se, quando eles voltarem, não gostarem do que fiquei a fazer, desfaz-se a cena, undo. É que as minhas influências vão desde Pantera até à música clássica, e as deles não têm nada a ver. É complicado.

PP – Há ainda quem associe os Buraka ao tema Yah!, mesmo já tendo passado quase sete anos desde a edição de “From Buraka to the World”. O que mudou entretanto?

A – Passámos seis anos na estrada. É tempo que uma pessoa tem para pensar, para acalmar os nervos, para aprender, para por as coisas num nível mais realista, para pensar como queremos ser vistos e não como é que as pessoas nos veem. As pessoas veem-nos como os autores da Yah!, da (Kalemba) Wegue Wegue ou da Sound of Kuduro. Nós vemo-nos como Buraka. E o disco “Komba”, lançado em 2011, apresentou aquilo que os Buraka querem que o seu som seja, onde querem que o seu som chegue. Tanto no “From Buraka to the World” como no “Black Diamond”, o nosso grupo estava demasiado entusiasmado para mostrar o que é que a nossa música tinha de interessante e explosivo. O “Komba” é uma coleção de temas que gostamos muito, que têm alguma coisa em comum.

R – Para mim, o “Komba” é o amadurecimento de tudo. É um álbum que ouves do princípio ao fim e dizes: “Epá, a ordem é esta, está mesmo fixe. Já acabou e não me fartei de ouvir a minha música”.

A – Os outros discos partiram de ideias e a 60% dessas ideias acrescentamos coisas por cima. O Komba não. Fomos para um sítio sem nada preparado e ficámos lá durante duas semanas. Chegámos, sentámo-nos a olhar uns para os outros e tivemos que criar do zero.

R – O que é certo é que saiu um álbum mais adulto, por muito clichê que isto seja. Não há momentos em que possas dizer: “isto é house” ou “isto é techno”. E é exatamente isso que nós somos – nem uma coisa nem outra. Somos um prato vegetariano com bacon (risos).

PP – São muitos os “Yah’s”, “nha, nha, nha’s” e “duh, duh, duh’s” que surgem nas letras das vossas canções. Não dizem nada ou, pelo contrário, dizemmais do que parececom as vossas músicas?

A – Há quem ache que não dizemos nada, quando, na verdade, passamos muitas horas a tentar dizer alguma coisa.

R – Muitas daquelas parvoíces, daqueles sons, daqueles “nah, nah, nah’s” e “duh, duh, duh’s” são pensados do ponto de vista de que um sueco ou um chinês consigam, ambos, dizer aquilo. O Andro não apareceu do nada e começou a dizer aquilo…

A – Tinha dores de cabeça e não conseguia falar, por isso comecei com os “nha, nha, nha’s”… (risos)

R – Há muitas expressões usadas cá, na Amadora. Se fôssemos da Falagueira, já usaríamos expressões diferentes.

PP – Mas há uma clara preponderância do instrumento relativamente à voz…

A – O Riot detesta vozes…

R – Eu não detesto vozes, simplesmente não tenho muita paciência para a edição de voz. Acho muita piada, por exemplo, à maneira como a voz é posta no zouk ou mesmo em cenas tipo semba. Há sempre groove. Obviamente que, quando tens um estilo de música que foi desenvolvido em África, por muito eletrónico que seja, vai ter sempre aquele cunho da sua origem. As vozes de Kuduro são agressivas, distorcidas, rítmicas.

A – Usamos a voz como ritmo e o sampling vocal é um dos nossos fortes. Um bom exemplo disso é o grande tema que fizemos com o Marco Paulo para os Duetos Improváveis.

PP – Habituaram o público a videoclips bem estruturados e com um quê de exclusividade. Que importância tem o suporte visual para o vosso trabalho?

A – É importante transmitir, de forma visual, o feeling que existe no palco, no espetáculo que estamos a apresentar. Isso sempre foi uma preocupação.

R – Uma cena que aconteceu comigo – e com o João também – foi, de há uns anos para cá, chegarmos a uma altura em que um concerto se tornava uma seca, mesmo tratando-se de bandas que gostamos de ver tocar ao vivo. Só queríamos que elas saíssem, para voltarem e tocarem o encore. Acho que a maioria dos concertos não se adapta à realidade de hoje em dia, à realidade da Internet, a uma sociedade mais apressada. E isso influenciou-nos, a mim e ao João, com quem conversei sobre o assunto, a fazer uma espécie de tributo à cultura de DJing, na qual nós crescemos, e tentar fazer um concerto que quase não para. Por isso fazemos blocos, não dividimos o concerto por temas. E não fazemos shows com mais de uma hora e meia. Tu precisas de mandar muita areia para os olhos, no bom sentido. É preciso entreteres, com vídeo, luz… Tem que ser uma coisa pensada, na dose certa.

Sara Fidalgo