Por essas mesmas portas, tinham entrado, por voltas das 22h00, cerca de cinco mil pessoas - na sua maioria jovens com idades compreendidas entre os 16 e os 22 -, que, ansiosas e expectantes, se distribuíram pelos recantos de um pavilhão completamente lotado, à procura do tal lugar - o lugar privilegiado, que lhes permitisse rodopiar e dançar até não aguentarem mais, sem, por isso, deixarem de contemplar, com todos os pormenores a que tinham direito, o viciante desempenho de Nele Karajilic, o hilariante vocalista da banda.

Muito pouco discreto - Karajilic envergava uma vistosa fatiota, toda ela vermelha e brilhante - e com um vozeirão que enchia, por si só, o humilde recinto, Nele soube, melhor do que qualquer outro colega, satisfazer as exigentes demandas do público, cujas expectativas voavam bem altas, já há uns meses, aquando do anúncio do «mega» concerto.

Enérgico, vigoroso e um pouco teatral, não descuidou, nem por breves momentos, a interacção com os exigentes fãs. Muito pelo contrário. Não só entoou as suas músicas de eleição - num alinhamento desregrado que, a certa altura, mais lembrava o sedutor esquema do disco pedido -, como também não descansou enquanto não convidou os admiradores e admiradoras mais efusivas para lhe fazerem companhia em cima do palco - um convite tão tentador, que não obteve qualquer recusa, não fosse o palco, aos olhos do mais comum dos espectadores, o local mais apetitoso de sempre"¦

Foi o delírio! A timidez inicial, típica de quem, nem nos sonhos mais rebuscados, se imaginou a partilhar um palco com Emir Kusturica e a sua talentosa orquestra, logo se desvaneceu, originando uma série de danças descoordenadas, movimentos e deambulações ambíguas e flutuantes, coreografias exóticas e singulares.

Perante tão inesperado (mas constante) cenário, Nele Karajilic, ligeiramente perdido no meio de tão confusas e dispersas movimentações, logo se encarregava de devolver os convidados aos respectivos lugares. Resignados - o palco era, efectivamente, o local mais apetitoso de sempre -, lá lhe faziam a vontade, sem antes, contudo, se aproximarem de Kusturica para mais um abraço, para mais uma dança, para mais um cumprimento fervoroso.

Apesar da discrição que manteve ao longo de todo o concerto, não há dúvidas que o célebre realizador sérvio é o mais acarinhado e apetecido pelo público - uma constatação aparentemente estranha, se tivermos em conta a sua performance introvertida, por vezes, acanhada; mas perfeitamente evidente, se considerarmos que são os filmes por ele realizados, que difundem e dão vida aos maiores êxitos da banda.

E Emir, não só agradece, como também retribui a empatia: cúmplice da população nortenha, despe a sua camisa preta, e exibe uma camisola oficial do Futebol Clube do Porto, com o seu nome e o seu número - o mesmo de Maradona - escritos a letras bem visíveis nas suas costas. Como sempre acontece neste tipo de situações, uns veneram a ideia, outros nem por isso"¦ Sobressaem, contudo, os aplausos"¦quem sabe pela originalidade e frontalidade do guitarrista.

Em êxtase prossegue o concerto de Nele Karajilic e sua trupe, que, além de ter dado a conhecer o recente álbum "Time of the gypsies" - que era, aliás, o mote da digressão -, reviveu, ainda, o poderoso "Underground" e o mítico e vibrante "Gato Preto, Gato Branco", passando, como não poderia deixar de ser, por o intenso "A vida é um milagre", até porque"¦no meio de tantas euforia balcã, convém haver certos momentos mais calmos e relaxantes"¦ Afinal, há que recuperar o fôlego esbanjado em temas como Unza, Unza e Pitbull Terrier.

Também em êxtase, continuou o público até se dar por terminado o concerto (como habitual, só após dupla ameaça) - um concerto que ainda lembrou aos mais esquecidos as raízes desta orquestra frenética, ao abordar determinados assuntos políticos, entre os quais a revolução e reintegração do Kosovo na Sérvia.

Texto: Sara Novais

Fotografia: Miguel Pereira