A satisfação da ânsia de revivalismo dos presentes foi intercalada com a apresentação do novo álbum, lançado em Junho deste ano.

Apesar de contar com uma vasta discografia a solo, e apesar do indubitável sucesso que ainda hoje o mantém como figura de referência na subcultura gótica, Peter Murphy será sempre mais (re)conhecido como o vocalista dos Bauhaus, banda a quem se atribui a fundação do goth-rock, derivado mais soturno do post-punk, pautado por lirismos e sintetizações mais obscuras.

Premissas chave que estiveram na base da atuação no Hard Club, numa performance energética onde imperou o dramatismo noir que lhe é associado. O profissionalismo e o à vontade frutos de uma carreira de tamanha solidez e de uma relação de fidelização com o público portuense, construída à força de inúmeras visitas, marcaram o tom, onde despidas as personas das canções, vigoraram momentos de descontração e cumplicidade.

A evidenciar o propósito desta digressão, o concerto foi aberto por três temas de “Ninth” (2011). Com Velocity Bird foram dadas as boas vindas, seguindo-se Peace To Each, com o artista a pavonear-se pelo palco por entre distorções de guitarra, e Seesaw Sway, segundo single deste registo, a culminar numa sequência de piruetas.
“Cascade” (1995) estreou-se no recinto pela mão de Disappearing, onde o verso “I'll do the mirror walk” ditou uma coreografia onde, de perfil para o público, Murphy simulou uma caminhada sem sair do sítio.

A viagem pelo tempo prosseguiu, desta feita com a primeira incursão pela discografia dos Bauhaus, com Silent Hedges, repescada a “The Sky's Gonne Out” (1982), em que o acústico da guitarra num crescendo explosivo encaminhou a canção para o colapso final, materializado pela repetição da palavra “again”. Mantendo-se a aura de teatralização, o bater de asas em câmara lenta a aludir ao voo de uma ave nocturna introduziu Subway, primeiro gravada para “Cascade” e que, com uma nova roupagem, veio as servir de epílogo a “Dust” (2002).

Os dotes performativos de Murphy foram dando espaço, de vez enquando, à vertente de instrumentista. Para interpretar umas das mais icónicas canções de amor com uma das letras mais poderosas que se lhe reconhecem, A Strange Kind of Love - “Deep” (1990) -, uniu-se a MarkGT nas guitarras. Iniciada por um diálogo guitarrístico, a fusão entre o eléctrico e o acústico acabou por desaguar numa versão mais inesperada de Bela Lugosi's Dead, que originou um dos momentos de maior beleza e subtileza de toda a atuação.

Continuando pelo repertório Bauhaus, foi a vez de Black Stone Heart, de “Go Away White” (2008), derradeiro álbum de originais, resultante do material produzido durante a segunda tournée de reunião da banda, em 2005.

E porque um bom espetáculo não se faz apenas de boas canções, o público teve o privilégio de testemunhar a postura descontraída do músico, que demonstrou um apurado sentido de humor ao auto ironizar o epíteto de “lendário rei do gótico”, com a advertência de que os fãs deveriam todos ter uma careca, de modo a imitá-lo. Tudo isto entre piadas sobre reality shows e alusões à vida familiar.

O momento de conversa terminou para dar lugar a um lado b de “Ninth”, e à revelação de que será lançado um registo que albergará temas que foram excluídos do álbum.

Foi precisamente a este referido lançamento se regressou, logo depois da última visitação a “Cascade” com I'll Fall With Your Knife. I Spit Roses e Memory Go terminaram as incursões no último álbum antes do fim da primeira parte.

De volta aos Bauhaus, os temas She's in Parties, de “Burning From the Inside” (1983), adornado com melódica, e In the Flat Field, música título do primeiro Lp, editado em 1980.

O extenso alinhamento continuou com Raw Power, uma cover dos Stooges em que o excessivo entusiasmo de Peter Murphy o levou a um prato da bateria de Nick Lucero. Com Stygmata Martyr (“In the Flat Field”) garantiu-se a apoteose dramática da atuação, embora tenha sido Cut You Up (“Deep”) a arrecadar a reverência do público. Porém, foi a All Night Long, de “Love Hysteria” (1988), que coube a honra de fechar a primeira parte.

Após o chamamento do público, que consistiu na entoação de Cut You Up, momento de evidente sincronia entre este e o eterno líder dos Bahaus, eis que o músico retorna ao palco, munido dos três músicos que o acompanharam ao longo do concerto, para mais um punhado canções repartidas pelos dois encores.

A primeira etapa do regresso ao palco ficou pautada, para além da belíssima The Passion of Lovers, uma das canções de ambiência mais dramática gravadas pela banda, pelo regresso a “Ninth”, com The Prince and Old Lady Shade e Uneven and Brittle.

Para a segunda parte ficou reservada Cool Cool Breeze, tema do projeto de curta duração que reuniu Murphy a Mick Karn, antigo membro dos extintos Japan, chamado Dali's Car. Curiosamente, aqui o cantor assume um registo muito similar ao de David Sylvian, também ele ex-membro dos Japan. Seguiu-se a já costumeira versão de Hurt, dos Nine Inch Nails, acompanhada unicamente pela guitarra de MarkGT, que deu lugar a All We Ever Wanted Was Everything (“The Sky's Gonne Out), dos Bauhaus, onde a Murphy, na viola, se juntou Jeff Shartoff, no baixo.

Assim foi dada por terminada a noite, deixando o sentimento de que o Dia Mundial da Música terá sido bem celebrado, com um concerto onde houve espaço e tempo para percorrer duas amplas discografias, e onde a Peter Murphy foi mais uma vez confirmada a coroação de entidade suprema do goth.

Por entre o burburinho e as conversas paralelas, debateu-se Michael Shapiro, durante uma primeira parte de aproximadamente 40 minutos. Apesar de ter cativado algum público, a simpatia deste cantautor californiano de inspiração blues e de carinha laroca, como ressalvou Peter Murphy mais tarde, não foi suficiente para concentrar a atenção geral, durante o pequeno concerto onde apresentou "Somehow Someway", primeira longa-duração em nome próprio.

Texto: Ariana Ferreira
Fotografias: Filipa Oliveira