"Este projeto surgiu desta situação em que nos encontramos, de isolamento social, e de nós pensarmos: ‘Se os médicos fazem a sua parte e muita gente pode fazer qualquer coisa pelo outro, o que nós, escritores, podemos fazer coletivamente, estando fechados em casa?’", contou à agência Lusa a escritora Ana Margarida de Carvalho, que, na noite da passada segunda-feira, face à pandemia de COVID-19, lançou o desafio aos restantes.
Segundo Ana Margarida de Carvalho, o projeto vai funcionar "como um folhetim à antiga".
"Um começa e o outro tem que continuar, lendo os anteriores, mas mais apegado ao que o precede. A ideia é cada um ter 24 horas para escrever o capítulo e sair um por dia", referiu. O resultado pode ser seguido na página de Facebook do projeto (facebook.com/Bode-Inspiratório-111442813817248), que deverá ser difundido também noutras plataformas.
Ao início, a escritora estava à espera que participassem cerca de 20 escritores, "mas apareceram muitos mais".
"Os escritores, geralmente, trabalham sozinhos, mas a proposta aqui é trabalharmos todos em conjunto. As pessoas estão tão sequiosas de convívio e de sair de fora do confinamento que tivemos uma adesão muito grande", notou.
Entre os escritores que participam estão Inês Pedrosa, Afonso Cruz, Ana Cristina Silva, Isabela Figueiredo, Valério Romão, Luís Miguel Rainha, Afonso Reis Cabral, Patrícia Reis e Helena Vasconcelos.
Participam ainda, entre outros, Gabriela Ruivo Trindade, Adélia Carvalho, José Fanha, Domingos Lobo, Licínia Quitério, Tiago Salazar, Ricardo Fonseca Mota, Álvaro Laborinho Lúcio, Rita Ferro e Luís Castro Mendes.
Para além do folhetim, foi também lançado um desafio a artistas plásticos para mostrar, na mesma página, as obras que estão a criar durante o isolamento, explicou Ana Margarida de Carvalho.
António Olaio, Ana Vidigal, Pedro Cabrita Reis, Manuel João Vieira e Marta Wengorovius são alguns dos artistas plásticos que aceitaram o repto.
De acordo com a escritora, no final deverá haver uma exposição com as obras criadas durante o isolamento.
Já sobre se o folhetim poder dar origem a um livro, Ana Margarida de Carvalho referiu que essa possibilidade está em cima da mesa e que "já há algumas manifestações de interesse", mas nada está fechado.
"São textos breves e feitos em menos de 24 horas. Não estamos à espera que saiam daqui grandes obras, mas acho importante ficar o registo do que ia na cabeça dos escritores neste período tão invulgar e insólito", disse, considerando que, posteriormente, os escritores podem sempre aumentar os capítulos, suprimir algumas coisas e melhorar as ligações entre os diferentes textos.
Ana Margarida de Carvalho acredita também que os escritores deixarão já alguns sinais do tempo que se vive no folhetim, sendo já sinal disso o primeiro capítulo, de Mário de Carvalho, com um ambiente "um pouco futurista", num laboratório dentro de uma gruta, em que é trazido "misteriosamente uma salvação para qualquer coisa".
"Já traz ressonâncias da atualidade", constatou a escritora.
Na carta que enviou aos outros escritores na segunda-feira, Ana Margarida de Carvalho considerava este projeto "só uma forma de reagir".
"Eu sei que todos acharão ridículas as correntes, mas de literatura é diferente, sobretudo se ficarem bem entrelaçadas", afirmava a escritora.
"É o nosso modesto, mas importante voluntariado, agora que até ministros apelam à leitura. E, se formos muitos, talvez a epidemia acabe antes do nosso folhetim", concluía Ana Margarida de Carvalho, na carta.
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