A afirmação é do musicólogo Pedro Félix, da Universidade Nova de Lisboa, no texto do 'booklet' que acompanha o disco, com a chancela daquele museu lisboeta, e que inclui, entre outros, nomes como Amália Rodrigues, Joaquim Pimentel e Francisco José.

Pedro Félix, que tem investigado este conjunto de fonogramas, afirma que este álbum demonstra como, “se olharmos o [oceano] Atlântico como fronteira, cometemos um erro”, pois testemunha “uma complexa rede de relações que envolvem noções de géneros musicais, estilos, línguas, expressões, empresas [de edição fonográfica e de espetáculos], espetáculos de variedades, teatro musical, filmes e programas de rádio”.

O disco disponibiliza digitalizações de fonogramas em disco de goma-laca, gravados a 78 rotações, que foram sujeitos a um tratamento arquivístico e restauro. O investigador salienta, no mesmo texto, que cada fonograma foi sujeito a uma tecnologia diferente, pois o conjunto inclui discos gravados com sistemas, técnicas e tecnologias diferentes, e daí que varie "substancialmente", “o som que hoje é possível obter”.

“Nem todos apresentam um som que os sistemas modernos de reprodução nos habituaram”, adverte Pedro Félix, referindo que o almejado pela equipa foi “recuperar um eventual ‘som de época’, como se reproduzido em máquinas contemporâneas aos discos”.

O disco é constituído por 22 faixas, dividas em quatro partes, sendo a última faixa, “Vários Países”, gravada em 1956, por Raul Mota, acompanhado pela orquestra Tejada, sob a direção de Ricardo Tejada, ilustrativa do desafio da equipa que produziu o álbum: “Considerar criticamente as tipologias e os géneros ‘ibero-americanos’ que nos ensinaram a naturalizar”, escreve Pedro Félix, referindo-se ao cruzamento de influências musicais entre os dois lados do Atlântico.

O 'booklet' do CD abre com uma dissertação do musicólogo Rui Vieira Nery, distinguido em janeiro último com o Prémio Universidade de Coimbra 2018, intitulada “Yes, nós somos latinos”, na qual dá conta das permutas culturais e musicais, nomeadamente entre a Península Ibérica e a América Latina, e contextualiza os intérpretes e gravações.

O musicólogo refere-se a esta antologia como “cantigas trocadas” no seio do triângulo Espanha/Portugal/América Latina, em que se destaca Amália Rodrigues (1920-1999), “que, mal começou a sua carreira internacional, fez questão de integrar no seu repertório canções que ia ouvindo que visitava ou que simplesmente apanhava nos filmes a que assistia desde que – nas suas palavras – de alguma maneira lhe 'soubessem a fado'”.

De Amália, o disco inclui o samba “Ai, Ai, Ai, Meu Irmão”, que gravou em 1952, acompanhada pelo Conjunto de Guitarras de Raul Nery, o baião “El Negro Zumbón” (1953), com o Conjunto de Mário Simões, e a copla “Ojos Verdes” (1945), acompanhada por Santos Moreira, à viola.

O álbum inclui também, entre outros, o cantor Bahiano, de seu nome de registo Manuel Pedro dos Santos, que gravou, na melodia do fado menor, o “Fado do Solado Português”, Delfina Vítor, Isabel Costa, Carlos Santos, Ester de Abreu, Maria da Graça, Isaura Garcia, Olivinha de Carvalho, Joel Lemos e Pedro Vargas, que gravou “Lisboa Antiga”, em 1951.

Afirma Vieira Nery que a proposta deste disco “é um olhar sobre a forma como um arquivo histórico-musical português nos pode ajudar a compreender, a partir do ponto de vista de observação de Portugal, este processo alargado de trocas musicais no seio do universo ibero-americano da primeira metade do século XX”.