"Quando estou nos ensaios, costumo ler os poemas de Alberto Caeiro com os atores", conta Shao à agência Lusa sobre a importância do poeta no seu trabalho.

"Não refletir, mas sentir apenas. É uma ideia que quero que retenham", explica. "Esquecer a mente e usar só os sentidos. Parece simples, mas não é".

Shao Sifan, 37 anos, é o encenador da peça "Caeiro! Aquela Noite Triunfal", uma adaptação para o teatro dos poemas de Alberto Caeiro que esteve esta semana em exibição no teatro Peng Hao, em Pequim.

Localizado num dos raros "hutongs" - os típicos becos da capital chinesa - que não foi arrasado para dar lugar a construções em altura, o lema daquele espaço é ‘Theatre is Free' ("o Teatro é Livre").

"O proprietário é uma pessoa de mente aberta e dá-nos a oportunidade de fazermos coisas diferentes", diz Shao.

Trinta minutos antes da última apresentação, na quarta-feira, os bilhetes já estavam esgotados. Entre a plateia, composta por cerca de 100 pessoas, houve até quem ficasse de pé.

"Nas primeiras sessões tínhamos pouca gente, mas depois foi enchendo cada vez mais", conta o funcionário da bilheteira.

Lá fora, a temperatura caía abaixo dos dez graus, anunciado a chegada do inverno, mas um vinho tinto português servido no bar das instalações prometia aquecer a plateia.

Durante uma hora, três atores recitaram, interpretaram e cantaram em chinês poemas de Alberto Caeiro, para um público composto na maioria por jovens na casa dos vinte.

Fernando Pessoa morreu em 1935, com 47 anos de idade.

Alberto Caeiro foi um dos seus mais conhecidos heterónimos, descrito como um anti-metafísico, que desprezava qualquer tipo de pensamento filosófico.

"Pensar é estar doente dos olhos", lê-se num dos seus versos.

Em 2013, uma editora de Xangai publicou a tradução chinesa dos seus poemas e ensaios, um livro com cerca de 300 páginas.

Shao, porém, conheceu os poemas de Alberto Caeiro oito anos antes, quando vivia em Paris.

"Assisti por acaso a uma adaptação para teatro do Guardador de Rebanhos. Foi uma noite esplêndida", recorda. "A sua poesia deu-me logo uma sensação de bem-estar".

Nessa altura, o jovem encenador não conhecia ainda "Pei Suo A", (Pessoa, em chinês) e só mais tarde descobriria que Alberto Caeiro era afinal um dos seus heterónimos.

Hoje, não tem dúvidas: "Pessoa é um dos poetas mais influentes do século XX. A sua obra é indispensável".

O primeiro trabalho de Fernando Pessoa publicado na República Popular da China, em 1999, foi "O Livro do Desassossego", traduzido a partir do inglês pelo romancista Han Shaogong.

Uma década depois, o livro já ia na quinta edição e inspirou o nome de um dos blogues mais populares da China, "Oitavo Continente".

O seu autor, Lian Yue, é um antigo jornalista do semanário Nanfang Zhoumo (Fim de Semana do Sul), considerado um dos raros jornais independentes no país.

"Não é nenhuma das sete partidas do mundo aquela que me interessa e posso verdadeiramente ver; a oitava partida é a que percorro e é a minha", escreveu Fernando Pessoa (Han Shaogong traduziu "partida" por "continente"), na passagem que inspirou o nome do blogue.