Gregório Duvivier está de volta aos palcos portugueses com "O Céu da Língua". O ator e humorista brasileiro vai estar em cena no Teatro Aberto, em Lisboa, até ao dia 1 de dezembro. A 2 e 3 de dezembro, é a vez do Teatro Sá da Bandeira, no Porto, receber o espetáculo.
Depois da noite de estreia da peça, o humorista e a encenadora Luciana Paes conversaram com o SAPO Mag. "Foi a primeira vez que fiz a estreia de uma peça em Lisboa. Já vim muitas vezes, mas nunca vim com uma encomenda portuguesa. É a primeira vez que eu tenho uma encomenda de Portugal e que a peça parte daqui. Achei uma delícia fazer uma peça a pensar em vocês. E o barato é que depois vou fazer no Brasil, então vou ter que readaptar algumas coisas", conta Gregório Duvivier.
"O Céu da Língua" é fruto da obsessão dos dois humoristas pela língua. "As minúcias da língua já foram exploradas em vídeos do Porta dos Fundos, entrevistas que se tornaram virais e também um espetáculo com Ricardo Araújo Pereira: 'Um Português e um Brasileiro Entram Num Bar'. Agora, Gregório vai além e debruça-se, sozinho no palco, sobre as infinitas possibilidades da língua - não somente portuguesa, mas da linguagem em geral", destaca a sinopse.
O espetáculo mistura stand-up comedy com poesia falada e uma dramaturgia que costura tudo. Dirigido pela atriz Luciana Paes, o brasileiro "descobre o poder da fala e lembra-nos que o homem, nada mais é do que um macaco que fala - e todas as outras diferenças derivam disso".
"Sou obcecado por linguagem, adoro o tema da língua e da linguagem, da língua portuguesa, mas não só, da linguagem de modo geral. E chegou um convite para fazer algo no Teatro Aberto, que é um grande teatro e tão importante para o teatro português, durante três semanas", conta o humorista.
"É o juntar de duas paixões: a língua e o meu encontro com a Luciana, que estava louco para fazer uma coisa juntos", confessa, acrescentando que "tudo é um bom pretexto para voltar a Portugal".
Na conversa com o SAPO Mag, a atriz Luciana Paes, que criou a peça com o colega e amigo, conta que, no início, tinham "pensado em fazer uma coisa juntos, como atores". "Depois quando veio esse convite, falámos: 'Bom, acho que não vai dar tempo para estarmos os dois em cena e, então, eu posso ficar a olhar de fora'. O Gregório já tinha alguns textos sobre a língua e eu fui fazendo provocações também e ele foi respondendo a essas provocações textualmente. E a peça foi-se mostrando como queria ser e é um pouco de todos os talentos que o Gregório tem, -e ele tem muitos, então, é um pouco que é bastante", elogia.
Com a peça, a atriz e encenadora acredita que o público poderá ficar contagiado pela paixão que Gregório Duvivier tem pela língua: "Não sabemos se todo mundo tem essa obsessão com a língua e acreditamos que a paixão do Gregório pode contaminar as pessoas, por esse amor à língua".
Para o humorista, o "que nos deixa mais felizes é pensar que, no fim da peça, as pessoas vão desenvolver uma relação mais afetiva com as próprias palavras que elas já têm, mas não dão valor". "Estamos cheios de palavras, somos como acumuladores. Acho que o objetivo desta peça é que pessoas saiam mais apaixonadas pelas palavras".
"Acho que a nossa paixão pelo teatro, a minha e da Luciana, o tipo de teatro que gostamos, é um teatro muito em volta da palavra, em volta da narrativa, desse poder de contar a História. A Luciana tem uma peça linda no Brasil que chama 'Ficção', que ela tem de trazer para cá, que é sobre isso também, sobre o poder da narrativa. E acho que a narrativa é revolucionária, a palavra é o que nos faz humanos", sublinha Gregório Duvivier.
E esse amor pela palavra já é antigo. "Sou apaixonada pela palavra desde muito cedo. A ideia que era possível criar outros mundos através da linguagem, para mim foi uma estrutura de salvação na vida. A ideia de que podia inventar coisas através da linguagem, fascina-me desde muito cedo. A ficção é minha segunda casa e os tijolos dela são as palavras", confessa Luciana Paes.
"Na primeira vez que saí do Brasil, os meus pais deram-me, sei lá, 50 francos - ainda não havia o Euro -, e eu voltei com um dicionário", recorda, revelando que ainda guarda o dicionário na casa dos seus pais.
As diferentes palavras e significados entre Portugal e Brasil também fascinam os atores. "As palavras favoritas mudam de dia para dia. Aqui, em Portugal, tenho algumas obsessões. Ouvi uma que me tinha esquecido e que adoro: 'lamechas'. 'Batota' também é bom", brinca o humorista. "Eu acho engraçada a palavra 'almôndegas", acrescenta Luciana Paes.
"Temos mais em comum do que o que nos separa", defende Gregório Duvivier. "Não defendo que seja uma língua diferente, não. Acho que, obviamente, é a mesma. Mas, mesmo sendo a mesma, diria que tem diferenças que são especialmente engraçadas. Amo, por exemplo, os palavrões. É engraçado porque as palavras que são pesadas aqui, são muito leves para a gente e vice versa. Aqui vocês dizem cu de forma normal. O cu é uma palavra que uma avó pode dizer a um neto. Para nós, é muito pesado, porque o que vocês chamam de cu é a nossa bunda. O que nós chamamos de cu, vocês chamam de olho do cu, que é outra coisa. Para a gente, o olho do cu é o olho do olho do cu, entendem? É o buraco do buraco do cu. Então é uma coisa meio quântica", graceja Gregório Duvivier.
"O Céu da Língua" está em cena no Teatro Aberto, em Lisboa, até dezembro. Nos primeiros dias do próximo mês (2 e 3 de dezembro), Gregório Duvivier viaja até ao Porto (Teatro Sá da Bandeira), onde encontra, normalmente, um público "mais parecido com o brasileiro".
"O público do norte é mais parecido com o brasileiro, sim, é mais caloroso. O público de Lisboa não é tão caloroso, mas ao mesmo tempo, no final, os aplausos são muito demorados, o que é muito legal também. Porto é aplauso mais brasileiro, que é muito efusivo, mas também é mais rápido, querendo logo ir aos copos", explica o ator e humorista.
"Mas ao mesmo tempo, o calor na rua que sinto no Porto é mais brasileiro - 'vem cá, dá um abraço'. Sinto mais as pessoas... em Lisboa, os lisboetas são mais polidos, tenho a impressão. São mais reservados. É uma impressão de fora, claro, mas sinto que isso se dá no público também. Por exemplo, no 'Portátil', em que pedimos sugestões ao público, perguntamos quem tem uma história para contar para a plateia e, em Lisboa, duas ou três pessoas levantam a mão, quando levantam. No Porto, tens logo 20 pessoas, todo o mundo levanta. As pessoas são mais participativas, acho eu", acrescenta.
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