Ao longo de seis décadas, o escritor peruano Mario Vargas Llosa, que morreu no domingo, 13 de abril no Peru, aos 89 anos, produziu uma obra prolífica que incluiu romances, contos, ensaios, peças de teatro e artigos de jornal.

Nascido numa família peruana de classe média, ele foi um dos grandes nomes do "boom" literário latino-americano das décadas de 1960 e 1970, juntamente com o colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014), o argentino Julio Cortázar (1914-1984) e os mexicanos Carlos Fuentes (1928-2012) e Juan Rulfo (1917-1986).

A sua carreira descolou em 1959, quando publicou "Os Chefes", o seu primeiro livro com seis contos sobre desafios, provações e morte.

Estas são as obras de ficção mais famosas do vencedor do Prémio Nobel de Literatura (2010), nascido em 1936 em Arequipa.

"A Cidade e os Cães" (1963)

Escrito entre Madrid e Paris, descreve o clima de violência no colégio militar Leoncio Prado, em Callao, onde o autor estudou na adolescência e ficou marcado pelo que viveu.

A obra, protagonizada por estudantes impetuosos (Cava, Poeta, Jaguar e o Escravo), é por extensão uma crítica dilacerante de um determinado conceito de masculinidade e da hipocrisia e ódio latentes numa sociedade peruana altamente estratificada.

A sua técnica surpreendeu pela diversidade de pontos de vista, pelo tom fresco, pelo humor ácido e pela linguagem crua, características que deram à sua obra um contraponto ao costumbrismo regionalista que até então prevalecia na narrativa latino-americana.

A obra ganhou o prémio Biblioteca Breve na Espanha, concedido pela editora Seix Barral, e contribuiu para o início do chamado "boom" latino-americano.

"A Casa Verde" (1966)

Ambientado em Piura (costa norte do Peru) e na floresta amazónica peruana, entrelaça três histórias à volta de um prostíbulo conhecido como "Casa Verde". O seu fundador é Don Anselmo, um empresário com passado desconhecido e sem escrúpulos.

O seu estilo mergulha na complexidade da técnica narrativa. Vargas Llosa constrói a sua obra como um quebra-cabeças, com diálogos simultâneos e diferentes planos espaço-temporais.

Numa carta ao autor antes da publicação, o escritor argentino Julio Cortázar elogiou o romance: "Basta contá-lo à sua maneira para que tudo aconteça numa única instância narrativa, sem essa separação académica entre 'descrição' e 'ação' típica do romancista comum".

"Conversa n' A Catedral" (1969)

Um apelo contra a corrupção, o preconceito social e o autoritarismo, a sua frase de abertura ficou para a história da literatura: "Em que momento se lixou o Peru?"

Tem como protagonista Santiago Zavala, "Zavalita", um jovem jornalista de Lima, filho de um empresário que colaborou com a ditadura do general Manuel Odría (1948-1956).

A obra, com personagens diversificados e ancorada numa história de homossexualidade oculta, impressionou pela extrema complexidade da sua construção, que contou com diálogos cruzados e multiplicação de tempos.

"A Tia Julia e o Escrevedor" (1977)

Nesta obra de cunho biográfico, Vargas Llosa dá forma literária à sua relação com a tia Julia Urquidi, divorciada e 10 anos mais velha (14 nesta ficção autobiográfica). Um relacionamento ao qual o seu pai se opôs fortemente e que foi um escândalo na sociedade limenha na década de 1950.

O contraponto vem da personagem Pedro Camacho, um excêntrico argumentista de radionovelas e colega de trabalho de 'Varguitas'.

"A Guerra do Fim do Mundo" (1981)

Ambientado numa área pobre do nordeste brasileiro no final do século XIX, o romance centra-se na Guerra de Canudos, um conflito entre a elite económica-militar da recém-criada República e uma rebelião de agricultores reunidos à volta de António Conselheiro, um pregador messiânico.

Trata-se de uma incursão fora dos cenários habituais de Vargas Llosa e cuja gênese deve-se ao espanto causado por um livro do autor brasileiro Euclides da Cunha, "Os Sertões" (1902).

"Para mim, ele fez a primeira descrição estritamente americana de um evento americano", disse o autor peruano.

"A Festa do Chibo" (2000)

Como no caso do colombiano Gabriel García Márquez, do paraguaio Augusto Roa Bastos (1917-2005) ou do guatemalteco Miguel Ángel Asturias (1899-1974), na obra de Vargas Llosa não poderia faltar um romance com um ditador, no caso, o dominicano Rafael Trujillo.

Um romance "barroco", como ele o definiu, composto por três histórias interligadas e o assassinato do ditador como ponto focal.

Ao redigi-lo, o autor misturou documentação histórica e ficção para dissecar "o tipo de cumplicidade" na sociedade "que permite que ditaduras se perpetuem".