O espetáculo “A Banda” é a segunda produção do projeto “Dança para Músicos”, desafio lançado pela associação Materiais Diversos a coreógrafos que convidam compositores para um trabalho com uma banda filarmónica, neste caso a Sociedade Filarmónica Euterpe Meiaviense (do concelho de Torres Novas).

Clara Andermatt, coreógrafa, juntou-se ao compositor João Lucas para responder a um convite que os deixou “muito entusiasmados” e que rapidamente se transformou num enorme desafio à sua criatividade pelas “surpresas” e “reveses” vividos ao longo do último mês – desde a inscrição (que é voluntária) de cerca de metade dos elementos com que planeavam trabalhar ao internamento hospitalar, dois dias antes da estreia, da figura fulcral do espetáculo, o maestro.

“Para nós foi também uma surpresa, porque o projeto era para ser uma coisa e acabou por ser outra”, disse Clara Andermatt à Lusa, contando como foi preciso “mudar ideias”, familiarizar-se com a banda e usar essa informação para o espetáculo.

No trabalho com a comunidade – matriz do festival Materiais Diversos -, é preciso “perceber bem a realidade dos contextos em que se vai trabalhar e a própria comunidade perceber também onde é que vai estar inserida” para que o encontro “se dê de uma forma harmoniosa”, frisou.

Do trabalho realizado intensamente durante cerca de um mês resultou em palco “a vivência de uma banda, as relações que se criam, as tensões, as dinâmicas, as implicações sociais, o convívio, a festa, um lado até espiritual, que tem a ver com as procissões, um lado mais disciplinar, que tem a ver com as marchas, um lado mais caótico, que tem a ver com a imponderabilidade da assiduidade”, sintetizou João Lucas.

“O espetáculo tenta ser um microcosmos do que é a banda em várias das suas vertentes, não só na coisa estritamente musical mas no papel que desempenha em termos socioculturais e a importância que tem para a coletividade em que está inserido, que é brutal e muito antiga – é uma banda com 120 anos e uma tradição inestimável para o tecido cultural da região. É também escola de música, uma transmissão de testemunho que vem desde o bisavô”, relatou.

João Pedro, 15 anos, bisneto de um dos fundadores da Banda Filarmónica Euterpe Meiaviense, foi um dos que contou em palco a sua história na banda, onde toca trompete há quatro anos, e que viu no projeto “Dança com Músicos” uma oportunidade para conviver e aprender novas formas de estar.

Há 40 anos na banda, o músico mais antigo do grupo, João Mendes (tuba), confessa que foi “muito cansativo”, sobretudo para quem se levanta às 06:00 para conduzir todo o dia (é motorista) e ir para a cama perto da 01:00 do dia seguinte para poder estar no ensaio. Mas, disse à Lusa, o esforço compensa “porque se trabalha com pessoas diferentes, com coisas diferentes”.

“Já não é só a música. É utilizarmos os instrumentos e alguma capacidade técnica e musical nossa para fazermos um trabalho diferente”, que traz “um pouco mais de descontração” e “responsabilidade”, porque não existem as “muletas” de quando se toca no conjunto.

Da estrutura, da rítmica, da “textura” da música e da sua relação com o movimento e a espacialidade – que Clara Andermatt e João Lucas trabalham (esta foi a sua 13.ª produção) como um “objeto estético único” – resultou um espetáculo “com uma poética muito especial” que a programadora do fMD, Elisabete Paiva, definiu como um “momento super emocionante” pela forma “muito comovente” como as pessoas se entregaram ao projeto.

Clara Andermatt não esconde que, apesar de o espetáculo ser “um pormenor” no muito que foi “ganho” neste percurso, “é uma pena” que só possa ter sido visto uma vez.

Até dia 24, uma dezena de espetáculos de dança, teatro e música (cinco deles estreias) passam por Minde, Alcanena e Torres Novas, num programa que inclui dezenas de outras iniciativas no território.