Fica na memória de muitos como um dos heróis do rock nacional, mas a sua entrega à música esteve longe de se esgotar na guitarra. Prova disso foi o olhar atento de Zé Pedro a outras bandas e colaborações além dos Xutos & Pontapés ao longo dos anos, com uma curiosidade que se manteve sempre na fase da adolescência, permeável a descobertas e ao prazer de as partilhar. E partilhou-as com amigos, familiares, colegas, mas também em percursos paralelos como os de DJ, de gerente e diretor artístico do Johnny Guitar ou de radialista em várias fases (na Rádio Comercial, Rádio Energia, Vox ou Radar).
E partilhou-as ainda ao inaugurar o SAPO Música, em maio de 2010, quando foi o primeiro editor convidado de um dos canais que viria a estar na origem do SAPO Mag anos depois.
Durante a visita à redação do SAPO, o guitarrista dos Xutos & Pontapés conversou sobre os contrastes entre o vinil, o CD e o MP3, numa altura em que o streaming já ia ganhando território, recordou paixões musicais antigas e descobertas recentes e refletiu sobre as três décadas de atividade musical da banda. E confessou que o preço a pagar pela diversidade da oferta à distância de um clique é mesmo a dificuldade da escolha:
Os Xutos, amigos (com discussões) para sempre
Tema inevitável, a banda de sempre de Zé Pedro também acabou por se intrometer entre o olhar sobre a música de terceiros. E apesar de ser uma relação longa - e rara no rock nacional - nem sempre foi pacífica. O que é mais uma vantagem do que um problema, contou o guitarrista.
"Conseguimos, de alguma maneira, criar as nossas hierarquias e quem é melhor a fazer isto e quem é melhor fazer aquilo dentro da banda. Temos sempre muitas discussões e muitas guerras pessoais, que acho sempre que tem de haver numa banda com 30 anos de carreira a tocar em Portugal - tem de ter forçosamente discussões e confrontos de personalidade e oxalá a gente tenha isso sempre. (...) A coisa mais saudável que acho que os Xutos têm é que os Xutos arriscam muito. Mesmo hoje em dia não é uma banda que se deita à sombra dos hits antigos. E embora algumas músicas sejam sempre tocadas, a gente está sempre a mudar o sítio onde as tocamos para ter uma sequência lógica de espetáculo".
"Saber estar na música"
"Acho que somos uma ótima banda ao vivo porque nos entregamos de corpo e alma", acrescentou ainda Zé Pedro sobre a forma como encara os Xutos. "E toda essa aposta é, para nós, muito mais valiosa do que todo o dinheiro que podemos receber em troca. Acho que isso é uma forma muito saudável de estar na música. Uma pessoa tem de saber fazer canções, de as saber tocar bem ao vivo, ter uma boa coesão de grupo, e acho que somos um grupo em que qualquer espectador pode passar por todos nós - pelo Gui, pelo Cabeleira, pelo Kalú, pelo Tim e por mim - e arranjar interesses e ver que são personagens diferentes, mas que quando as notas soam, aquilo soa compacto, soa a banda."
Heróis de palco? Rolling Stones e U2
Arctic Monkeys, The Dead Weather, Gorillaz, Hot Chip, Dandy Warhols... e a lista continua. Estas contavam-se não só entre as bandas de eleição de Zé Pedro nascidas nos últimos anos como das que mais o surpreenderam num palco. Mas na altura de apontar as referências máximas, o músico apontou escolhas mais "clássicas". "Sem dúvida nenhuma, os Stones são das minhas bandas de emoção ao vivo mas também do coração, têm um histórico tão grande, tão grande, que me leva a dizer que são a maior banda rock do mundo, sem sombra de dúvidas. (...) Os U2 são a melhor banda com um espetáculo ao vivo no planeta. Toda a estrutura é fantástica. É a banda que mais sobe a fasquia ao vivo. Gosto imenso de ver bandas ao vivo, mas o que mais gosto é ver como comunicam com o público e como o público reage a isso", confessou.
Jack White, rock de confiança
"Consegue manter no rock n' roll aquela personagem ali mesmo no limite entre o alternativo e o mainstream", apontou Zé Pedro sobre o ex-vocalista e músico dos White Stripes. "Vê-los ao vivo era uma experiência única porque nunca tinha visto uma banda em que uma pessoa começasse o concerto de uma maneira tão aflitiva, e como espectador a achar que alguma coisa estava a correr mal com o som, até perceber que a coisa era mesmo assim. Nunca tinha visto uma banda a tocar tão no limite os instrumentos e a Meg White tão no limite do tempo como aconteceu. Parecia mesmo que ia falhar, mas não falharam", recordou.
A prata da casa
E da música nacional, o que é que vale a pena ouvir? Rock, metal, hip-hop ou fado foram algumas das sugestões:
Da Weasel, sobretudo ao vivo, pela "química banda-público".
X-Wife, "uma excelente banda ao vivo com todas as potencialidades para fazer carreira lá fora".
Moonspell, que "na sua área conseguiram um lugar lá fora muito mais importante do que o reflexo que têm cá dentro".
Clã, "uma banda muito mais efetiva em cima de um palco do que diretamente nos discos".
Os Pontos Negros, porque "a nova geração precisa de uma banda que seja porta voz de uma série de coisas que estão a acontecer por trás e não têm visibilidade".
Buraka Som Sistema: "é uma alegria para o povo português ter uma banda com as características dos Buraka".
E no fado, "Camané será sempre a grande voz". Mas também Ana Moura (sobretudo ao lado dos Stones) e, nas proximidades, A Naifa ou Deolinda "pela lufada de ar fresco" que Zé Pedro via como determinante para o género.
Uma festa no Jamaica
Além de ter sido o primeiro editor convidado do SAPO Música, Zé Pedro esteve no centro de uma das primeiras reportagens vídeo do canal, quando foi DJ por uma noite nas celebrações dos 40 anos do Jamaica. The Cure, David Bowie, Heróis do Mar, Kiss ou The Cult foram alguns dos nomes que partilhou na festa da discoteca do Cais do Sodré, em Lisboa, onde também distribuiu a simpatia com que praticamente todos o relembram:
Zé Pedro morreu esta quinta-feira, 30 de novembro, aos 61 anos. O músico faleceu depois de complicações decorrentes da Hepatite C de que sofria há mais de 15 anos na sua casa, em Lisboa.
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