A percussionista e compositora portuguesa integra o projeto “MitMachMusik” (‘fazemos música’, em tradução livre) há um ano e atualmente ensina música a crianças refugiadas em três abrigos da capital alemã.
“Dou aulas a crianças que ainda não tocam nenhum instrumento. Trabalho com tudo o que se pode fazer a nível musical, mas sem instrumentos: a voz, a coordenação motora, a motricidade fina, brincar, aprender e estar em grupo”, explica Sofia Borges, enquanto vai colocando as cadeiras em círculo, antes da aula, em Marzahn, um bairro na zona oriental de Berlim.
Os alunos têm idades entre os quatro e os 13 anos e vêm de países tão diferentes como a Síria, Afeganistão, Irão, Iraque, Palestina, Eritreia, Quénia, Somália, Rússia ou Moldávia.
Eles são de fora e descobriram que ela também. Foi com a ajuda do futebol que chegaram a Portugal. “Alguém aqui gosta do Cristiano Ronaldo?”, pergunta aos alunos.
“O Cristiano Ronaldo que me desculpe por eu aproveitar o nome para fazer a ponte com os meus alunos. Todos sabem de onde é que ele é”, comenta a professora.
Sofia Borges deixa perguntar, mas não pergunta: “Muitas crianças estão traumatizadas. Às vezes eles contam de onde vêm e partilham histórias muito trágicas com muita descontração, como se estivessem a contar que foram ao centro comercial e se perderam do pai e da mãe por 20 minutos. Porque aquilo faz parte da vida deles.”
Na sala de aula que a professora portuguesa divide com os alunos e com outro docente, “o ambiente é muito descontraído” porque vem “dar aulas ao sítio onde as crianças moram, por isso eles praticamente estão em casa, mudam é para outra sala.”
Em julho, 15.199 pessoas pediram asilo na Alemanha, a maioria sírios e iraquianos, menos 10% que no mesmo mês do ano passado, informou o Ministério do Interior alemão.
Os números divulgados pelo Gabinete Federal para a Imigração e os Refugiados (BAMF, na sigla em alemão) indicam que entre janeiro e julho tramitaram-se um total de 110.324 pedidos, quase menos 16% que no mesmo período de 2017. O número de entradas no país tem vindo a cair desde 2016.
“Eu vejo o lado bom: têm casa, vão à escola, têm assistência médica. Vejo esse lado. Não vejo o lado das filas de burocracia ou de outras complicações. Opto por ver o lado melhor” da política de acolhimento de refugiados na Alemanha, sublinha Sofia Borges.
Uma sondagem realizada pelo instituto de opinião pública Infratest-dimap mostrou que dois terços dos alemães consideram o racismo um problema grande ou muito grande na Alemanha. O estudo sobre o clima político no país foi encomendado pela emissora pública ARD e pelo diário Die Welt.
A emigrante portuguesa lamenta que muitos alemães não aceitem os refugiados e votem em partidos de extrema-direita.
“Aqui há duas semanas eu estava no elétrico, precisamente a vir para este abrigo, e ouvi comentários racistas horríveis. O elétrico vinha muito cheio e um casal ia comentando que a culpa disso era dos refugiados”, descreveu.
Respirar fundo e continuar o trabalho com “energia positiva” é a melhor resposta que Sofia Borges encontrou para estes casos, porque “as crianças merecem a melhor música do mundo”.
“Temos crianças que vemos que já tiveram contacto com a música, mas temos outras, nomeadamente do Afeganistão, que vêm de zonas onde a música é proibida porque é considerada profana e não se pode tocar. E temos um professor, que começou como aluno, que tinha que tocar às escondidas”, partilha Sofia Borges.
Figgi, Bahare, Mariana, Samia, Islam e Mohamed vão rindo e fechando as mãos ao som do “pim-po-ne-ta”. Quem perde ou quem ganha o jogo pouco importa.
Alguns vivem com a família completa, outros têm a mãe, o pai, ou os irmãos no país de origem. “Há situações muito diferentes”, adianta a professora.
O Governo alemão decidiu, no passado dia 01 de agosto, voltar a conceder o direito de reagrupamento familiar a alguns refugiados, impondo o limite de 1.000 entradas por mês. Cerca de 34 mil pedidos aguardam resposta.
“Tento afastar-me das notícias e concentrar-me nas aulas”, remata esta professora portuguesa.
“Pensar que depois de tudo o que muitas destas pessoas passaram, ainda vão ter de ficar longe dos familiares por causa de papéis, de leis, de burocracias, custa-me muito”, admite.
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