Embora tenha sido na década de 1980 que os Duran Duran ofereceram as suas canções mais populares, o quarteto de Birmingham nunca esteve muito interessado em viver da nostalgia. Sim, muitos dos 70 mil espectadores que rumaram ao Parque da Bela Vista, este sábado, terão tido clássicos como "Rio" ou "Save a Prayer" como principal motivação, mas ninguém poderá acusar o grupo de se conformar com um passado glorioso.

"Future Past", o fresquíssimo 15.º álbum, editado no ano passado, convocou gente da nova e da velha guarda, de Mark Ronson a Giorgio Moroder, de Graham Coxon (guitarrista dos Blur) a Tove Lo, entre outros, e atestou a vitalidade criativa que um disco como "All You Need Is Now" (2010) também já tinha assegurado.

Como o baterista Roger Taylor contou em entrevista ao SAPO Mag, um dos pontos de partida do álbum foi retomar o dinamismo rítmico dos primeiros registos da banda numa moldura sonora atual, e essa combinação explica porque é que algumas transições do concerto (entre canções separadas por décadas) tenham soado tão naturais. Foi o caso da festa de sintetizadores e refrão especialmente orelhudo de "Tonight United", a casar muito bem com o baixo e teclados bamboleantes (e inesquecíveis) da amplamente celebrada "Planet Earth", já o concerto ia longo. Ou de quando as recentes "Invisible" e "All of You" se seguiram à longínqua (mas ainda flamejante) "The Wild Boys", no início da atuação, e mostraram que os Duran Duran continuam a manter um embalo infeccioso na nova fase de uma carreira de mais de 40 anos.

Duran Duran
créditos: Rita Sousa Vieira - SAPO24 / MadreMedia

E nem precisam de um vocalista extraordinário para isso. Simon Le Bon, embora dedicado e competente, não deu provas de uma forma vocal superlativa nem de dotes particulares enquanto frontman, o que nem foi um problema quando a coesão do grupo e dos convidados que o acompanharam (um guitarrista, um saxofonista e duas cantoras) garantiram o melhor concerto do Palco Mundo do Rock in Rio Lisboa deste ano até agora.

O alinhamento equilibrado ajudou, com um balanço entre êxitos inevitáveis, a tal colheita de "Future Past", algumas revisitações menos óbvias (caso de "Friends of Mine", do disco de estreia homónimo, apresentada com vampiros e zombies no ecrã ao fundo do palco), uma versão de "White Lines", de Grandmaster Flash e Melle Mel, ou a intromissão (bem-vinda) de "Acceptable in the 80s", de Calvin Harris, em "Girls on Film".

Exemplo de máquina bem oleada que às vezes arriscou cair no piloto automático (como em "Give It All Up", uma das novas canções menos essenciais), teve bastantes mais altos do que baixos ao longo de mais de uma hora e meia. "Ordinary World", dedicada à Ucrânia, a quem Le Bon desejou "amor, bondade, felicidade, vida e sucesso", foi das mais arrepiantes e convocou luzes de telemóveis por todo o recinto. Outro momento relativamente apaziguado a nível sonoro, "Save a Prayer" vincou mais um episódio-chave, com o público a cantar e a levantar os braços depois de ter sido desafiado pelo vocalista.

Nos antípodas dessas, "A View to a Kill" (ainda uma das canções mais trepidantes do universo 007), "Notorious", "Hungry Like the Wolf" ou "The Reflex" deixaram um convite à dança enquanto deram provas da alquimia inimitável (embora muitas bandas tenham tentado aproximar-se dela) do baixo de John Taylor, dos teclados de Nick Rhodes e da bateria de Roger Taylor. Um frenesim que "Rio" alargou, na despedida de uma noite sempre pop (facção new wave) e sem qualquer vergonha de o ser.

A-ha
créditos: Cláudia Lobo

O sol ainda brilha nesta pop melancólica

Mais contidos do que os Duran Duran, os seus contemporâneos A-ha estrearam-se em palcos portugueses com largas décadas de atraso. Mas este é dos casos em que mais valeu tarde do que nunca, mérito do charme de uma pop de recorte clássico que, ao contrário da banda de "Rio", vive bem sem tentativas de update sonoro (até os pontuais contornos eletrónicos remeteram para o berço dos anos 1980).

A voz do sexagenário Morten Harket, de resto, nem acusa a idade e foi das mais graciosas que se ouviram neste Rock in Rio Lisboa, onde surgiu acompanhada de uma banda que se pautou pelo mesmo afinco. O facto de os noruegueses terem guardado os maiores êxitos para o final da atuação tornou-a bem menos efusiva do que a dos cabeças de cartaz, embora poucos se terão queixado desta primeira vez assinalada com a sabedoria e maturidade de veteranos.

Tal como no concerto dos Duran Duran, houve uma alusão a um episódio trágico da atualidade, quando o teclista, Magne Furuholmen, dedicou a delicada "Crying in the Rain" às vítimas do atentado em Oslo na passada sexta-feira, apelando ao direito de "toda a gente se expressar livremente".

Rock in Rio Lisboa
créditos: Cláudia Lobo

Noutro comprimento de onda, clássicos como "Hunting High and Low", "The Sun Always Shines On TV" e sobretudo "Take On Me", o muitíssimo aguardado hit dos hits (há poucas canções da geração de 1980 que lhe façam frente na memória coletiva), trocaram a melancolia pela faceta mais revigorante da nostalgia. Afinal, recordar também pode ser viver e a noite deste sábado habilita-se a tornar-se saudosa para muitos.

À tarde reinou o rock

Num dia em que o Palco Mundo apostou em nomes que se afirmaram nos anos 1980, os Bush foram a exceção no primeiro concerto da tarde, atuando antes dos UB40. E ofereceram um aquecimento mais do que competente, desde logo pelo entusiasmo visível do vocalista, Gavin Rossdale, decidido a estar em comunhão com o público sem desperdiçar um minuto.

O britânico correu pelo palco e pelo corredor que o levou às primeiras filas, saiu dele para cumprimentar os espectadores mais afastados, foi comunicativo e mostrou-se agradecido. "Obrigado pelo amor e pelo apoio ao longo dos anos", disse, elogiando os fãs vestidos a rigor com t-shirts da banda e que sabiam as letras de muitas canções.

Gavin Rossdale
créditos: Cláudia Lobo

Ainda assim, nem todos os temas surtiram o mesmo efeito. Se não faltaram clássicos como "Machinehead", nos primeiros momentos, ou "Glycerine", mais para o fim, com Rossdale a solo à guitarra, boa parte do alinhamento dedicou-se a canções mais recentes. Afinal, o oitavo álbum dos londrinos, "The Kingdom", não tem assim tanto tempo nem teve direito a digressão devido à pandemia - foi editado em julho de 2020. Mas já tem sucessor a caminho, conforme avançou o vocalista em entrevista ao SAPO Mag.

No entanto, seria expectável que o concerto, de menos de uma hora de duração, recuasse mais a "Sixteen Stone" (1994), "Razorblade Suitcase" (1996) ou "The Science of Things" (1999), os primeiros discos dos Bush e ainda os que guardam os seus maiores hinos, mais devedores do grunge do que da tradição britpop da sua terra natal - caso de "Swallowed", "Greedy Fly", "The Chemical Between Us" ou "Letting the Cables Sleep". Nada que a simpatia de um frontman muito empenhado não tenha tentado compensar com assinalável sucesso...

O Rock in Rio Lisboa 2022 despede-se do Parque da Bela Vista este domingo, 26 de junho, dia já esgotado. Anitta e Post Malone fecham a noite no Palco Mundo.