A exposição, ‘Shame – European Stories’, mostra alguns dos quase cem testemunhos de vítimas de abusos na infância, que aceitaram partilhar a sua história com o fotógrafo italiano Simone Padovani, e que procura chamar a atenção para um fenómeno que afeta dezenas de milhares de pessoas em toda a Europa.
A iniciativa é da responsabilidade da Fundação Guido Fluri, promotora da campanha europeia “Justice Iniciative”, de combate aos abusos contra crianças, e que começou com uma iniciativa popular na Suíça, país de origem da fundação, que conseguiu o pagamento de indemnizações a mais de 12 mil vítimas.
A exposição, inaugurada dia 8 de agosto e que vai estar patente ao público no Centro Comercial Colombo, em Lisboa, até ao último dia do mês , reúne dezenas de testemunhos e fotografias das vítimas, três das quais portuguesas.
“Eles consideravam-nos selvagens, só porque não tínhamos mãe nem pai”, conta Marco, hoje com 31 anos, e que foi vítima de abusos em instituições de acolhimento. Lembra que o diretor da instituição lhe deu um murro num olho por “ter copiado algo de forma errada” e que tem a boca deformada “por causa de uma tareia” que lhe deram.
Filipa, hoje com 43 anos, foi abusada por um membro do clero, que a fez sentir-se “culpada” e a chantageou para que não contasse a ninguém, tendo em conta que “era apenas uma rapariga” e a sua “palavra não valia nada”.
“São vidas despedaçadas. (…). É um mundo desfeito. Éramos crianças com tanta alegria interior e depois do abuso tudo isso desapareceu”, testemunhou.
Melania, 38 anos, foi vítima de abuso sexual numas férias, em casa de familiares.
“Quando cheguei a casa e contei tudo o que tinha acontecido, ninguém fez nada”, recordou, defendendo que “as crianças não mentem e só falam da realidade que conhecem”.
“Por isso, quando alguma vos pedir ajuda, ajudem! Nunca duvidem! E mesmo que essas crianças não consigam verbalizar o pedido de ajuda, é nossa obrigação como adultos estarmos atentos aos sinais que elas vão dar. Temos que agir, proteger as crianças, mesmo aquelas que ainda não percebem que precisam de ajuda”, apelou.
O trabalho do fotógrafo Simone Padovani, que nos últimos meses recolheu testemunhos de quase 100 vítimas de abusos de crianças, traduz-se em fotos e vídeos, e, além de Portugal, tem depoimentos de pessoas oriundas de Itália, Suíça, França, Espanha, Noruega, Suécia, Finlândia, Dinamarca, Países Baixos, Bélgica, Alemanha, Áustria, Eslovénia, Sérvia, Kosovo, Roménia e Grécia.
Na inauguração da exposição, o presidente da fundação à qual dá o nome frisou que “o panorama é assustador”, tendo em conta que “Portugal é um dos países europeus com pior classificação na proteção jurídica de vítimas de abuso sexual infantil”, citando um relatório internacional da organização Child Global.
Guido Fluri fez referência aos abusos sexuais no seio da Igreja Católica Portuguesa e às quase cinco mil crianças que se estima terem sido vítimas desde 1950 para criticar que “a questão do pagamento de indemnizações continue por resolver”.
Defendeu que só o pedido de desculpas por parte do papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude não é suficiente e que “as vítimas precisam de bastante mais apoio”.
“Em Portugal, é necessária uma reavaliação exaustiva de todos os casos de abuso. Um país só pode olhar para o futuro se tiver lidado com o seu passado”, defendeu Guido Fluri.
Disse ainda esperar que a exposição seja uma chamada de atenção para todos e que é preciso exigir que seja feita justiça.
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