Gonçalo Reis falava à Lusa a propósito do livro "Serviço Público: A minha vida aos comandos da RTP", que vai ser lançado na terça-feira.

"O contrato de concessão é uma peça relevante do 'puzzle' RTP, mas não essencial", afirmou, acrescentando que "o que é mesmo relevante é a estratégia e a dinâmica empresarial".

Nos mandatos "esforcei-me sempre por ir além do contrato de concessão e lançámos inúmeras iniciativas que não estavam ali previstas: os arquivos históricos 'online', os livros RTP, o #Estudo em casa, a RTP Palco, as séries para os mercados internacionais", referiu.

"Mais importante do que o enquadramento legal, é a vontade de inovar, O contrato estabelece os mínimos, a empresa deve lutar para os máximos, sempre garantindo a sustentabilidade financeira, como nos últimos seis anos", salientou.

Sobre o livro, Gonçalo Reis disse que este contém "um conjunto de reflexões sobre o setor dos conteúdos" no qual acredita e que considera "que devia ser levado a sério estrategicamente" e "sobre o tema da gestão das instituições".

A tese fundamental do livro é que "é possível gerir uma instituição como a RTP e ter ao mesmo tempo contas certas e prestar mais serviço, alargando e melhorando a oferta", salientou o gestor.

"E essa é a história dos últimos seis anos, de um ciclo longo", no qual "há ilações a tirar porque aquilo que conseguimos não foi realmente um golpe de sorte, foram ações sistemáticas", sublinhou.

No fundo, disse, conta a "história de que é possível, ao mesmo tempo, apostar na qualidade, na diferenciação, na inovação e ter eficiência nos custos e equilíbrio económico".

Gonçalo Reis disse não gostar da ideia de escolher uma coisa ou outra: "Acho que o papel da gestão é exatamente conseguir uma coisa e outra, conseguir ter serviço público de inovação e de qualidade e com novas apostas, ao mesmo tempo que se tem contas certas".

O gestor cumpriu dois mandatos na RTP enquanto presidente, o que é inédito na história da empresa.

"São dois recordes que eu acho que dizem menos sobre mim, mas mais sobre aquilo que realmente tinha que mudar – desde o 25 de Abril nenhum gestor tinha ficado tanto tempo à frente da RTP, seis anos, e nenhum gestor tinha cumprido dois mandatos inteiros", sublinhou.

"Acho que isto é importante, não só por estes dois marcos, porque isto permitiu-nos fazer contraste e fazer políticas de fundo: e onde a RTP era problemática passou a ser previsível, onde era deficitária passou a ser lucrativa, onde era tantas vezes consumida por guerras e questões internas passou a ser virada para fora e a trabalhar com o setor de forma positiva", elencou.

Além disso, onde tinha uma política de conteúdos "por vezes indiferenciada apostou na qualidade, em documentários, produzindo séries para os mercados internacionais, e onde tinha uma estratégia por vezes banal passou a apostar em grandes projetos como as apostas nas plataformas digitais, no RTP Play, o lançamento dos arquivos históricos 'online'", acrescentou.

Em suma, "no fundo este ciclo longo também foi aquele que permitiu (...) fazer estas mudanças todas e de maneira sistemática e recorrente".

Gonçalo Reis destacou um "tema chave" que atravessa o livro, em que tenta demonstrar "que é possível mobilizar as instituições públicas com uma agenda de inovação".

Agora, o gestor também refere que "isso não é uma questão necessariamente de terem mais dinheiro". Aliás, defende que "a RTP e as instituições do Estado devem ter orçamentos a crescer abaixo do setor privado e do resto da economia".

Porque, segundo o gestor, o que este tipo de empresas precisa "não é tanto mais orçamento, mas sim de melhores instrumentos de gestão, de um enquadramento de maior agilidade, de maior flexibilidade, mais responsabilizador, que permita um ambiente de risco e de experimentação que promova o mérito, que permita atrair talento, que permita explorar ganhos de eficiência e melhorias de produtividade".

E dá exemplos do que poderia ser um enquadramento de gestão mais orientado para a eficiência, agilidade e capacidade de resposta.

Uma empresa como a RTP, "que durante seis anos cumpriu todos os orçamentos e que necessita obviamente de atrair talento, como é que é possível que a administração para contratar um quadro – quer seja um jornalista, quer seja um diretor de planeamento estratégico, quer seja um engenheiro informático – sejam necessárias assinaturas de dois ministros, das Finanças e da Cultura", exemplificou.

"Acho que isto são regras do outro tempo, não é um enquadramento" para uma empresa que "deve estar na luta ativa no mercado", apontou.

Outro exemplo é a autonomia da RTP em termos de gestão do seu património.

"A RTP tem que ter os mecanismos para concentrar a sua atividade nos ativos que geram valor na produção de conteúdos, esses é que são os pontos fundamentais", defendeu, salientando que o tema dos recursos humanos também é crítico.

"Uma empresa que cumpre durante seis anos todos os seus orçamentos, que gera ‘superavit’ [excedente orçamental] e que inclusive reduz a dívida, como é que não tem autonomia – e tendo havido rescisões voluntárias e amigáveis – para fazer as contratações de competências técnicas que são absolutamente essenciais a uma empresa com vitalidade", questionou.

Gonçalo Reis asseverou que o livro "não tem de todo um tom minimamente de queixa ou de ajuste de contas", antes pelo contrário.

Pretende mostrar o que foi feito, mas também dá dicas e sugestões de "quais seriam os mecanismos de autonomia, de responsabilização que deveriam ter" este tipo de instituições "para que possam ter um desempenho ainda melhor" e "ser agentes mais ativos no mercado".

Para uma empresa como a RTP ser eficaz "teve de ter um leque de instrumentos relativamente alargado no sentido de: deve poder fazer as contratações das competências críticas para os seus quadros e deve poder recorrer a mecanismos de flexibilidade, tendo presente a natureza da produção de conteúdos, que é uma natureza que tem a ver com projetos, tem a ver com a sazonalidade, tem a ver com opções editoriais que não são definitivas", defendeu.

Sobre o que ficou por fazer, Gonçalo Reis disse que "fica muito", porque a indústria de conteúdos está "sempre em mutação".

Recordou que foram feitas "apostas enormes no digital, mas a urgência do digital vai manter-se e acelerar até".

Um dos temas que falta ainda trabalhar é o "reforço de competências críticas, mas para isso a RTP, como as empresas públicas no geral, deveriam ter mais autonomia", no sentido em que desde que cumpram os orçamentos "podem e devem fazer a gestão do talento e a recompensa do mérito de acordo com os seus critérios".

O digital e a internacionalização são pontos em que a "noção de escalada permanente" deve continuar, defendeu.

Sobre como gostaria de ver a televisão pública nos próximos anos, Gonçalo Reis disse que, "em primeiro lugar, gostaria de ver media públicos que englobem televisão, rádio e digital, colocando o digital no centro" da estratégia.

"E gostava de ver um operador público com os talentos, com as competências críticas para ser relevante no setor (...) e acho que é fundamental que o operador público continue com uma lógica de diferenciação, (...) de fazer aquilo que acrescenta ao mercado, apostando em documentários, conteúdos culturais, conhecimento, formação, nas matérias nobres e distintivas", rematou.