A adaptação de Alan Ball da saga literária de Charlaine Harris alcançou uma dimensão no pequeno ecrã que ultrapassou largamente o objeto original. Enquanto os “vampiros” no grande ecrã são uma espécie em vias de extinção, fruto de uma saturação, formatação e mesmo infantilização do mito, já a série mantém-se fiel ao seu nome incutindo sangue fresco em cada episódio. Uma brilhante mistura do elemento sobrenatural com a caracterização psicológica dos personagens que está normalmente próxima a laivos de puro disfuncionalismo. O dramatismo raramente está desconectado com o humor, o absurdo, a violência e o sexo das situações em que os personagens se encontram, emocionalmente estas figuras extravagantes são “nossos” semelhantes, uma virtude que toca nos seguidores da série.
A fogueira do ódio
Os personagens centrais, na quarta série, encontram um importante teste à sua existência com a chegada de uma força que deseja erradicar os vampiros, e não está interessada em compromissos. No centro da contenda está Marnie (que invoca um espírito, ou melhor, uma bruxa que se prepara para libertar um ódio de 400 anos, após ter sido condenada à fogueira no período da Inquisição espanhola. A força motriz desta ameaça advém das limitações da personagem Marnie (Fiona Shaw), uma mulher de meia-idade que subitamente detém em si o poder e ganha uma amiga centenária em Antonia (Paola Turbay). Ao tornar-se difícil a libertação do vício do poder e da influência, Marnie perde o controlo. Esta personagem interpretada por Fiona Shaw, é o ponto alto a nível interpretativo da temporada, as suas capacidades artísticas encarnam alguém que está em pleno crescendo patenteando emoções extremas que variam entre a sofreguidão e o terror insano.
Emo Eric
Os acontecimentos desenrolam-se cronologicamente um ano após o final da terceira temporada. Sookie (Anna Paquin), reaparece, adquire sensibilidade sobre o seu poder e volta a ser o elemento central com a sua relação com Eric (Alexander Skarsgård). Após um encontro fatídico com uma bruxa descobrimos um lado ternurento e emotivo de Eric, ao voltar ao seu estado primário. A gentileza e a vulnerabilidade são fonte de atração para Sookie que dispõe um afeto maternal e protectivo sobre Eric, um sentimento que rapidamente se eclipsa em sementes de romance. Bill (Stephen Moyer) assume outro papel, torna-se o novo rei da Louisiana, de sedutor e protetor de Sookie torna-se calculista e frio distanciando-se do seu verdadeiro amor. O mundo está novamente com medo de vampiros e penetramos no mundo da política e dos publicistas graças à personagem Nan (Jessica Tuck).
Laços familiares
Outros fios narrativos vão compor este tremendo espectro de emoções. O drama familiar dos Bellefleur com a adição de V (o crack deste universo) de Andy e os fantasmas de Terry e Arlene. A sina de Jason (Ryan Kwanten) que está preso ao seu desejo sexual ao ser forçado a ser procriador dos homens pantera, uma deliciosa sub-narrativa que envolve consanguinidade dos saloios da Louisiana. As descendentes dos vampiros, a começar por Jessica (Deborah Ann Woll), no equilíbrio entre uma relação verdadeira e os seus desejos de mulher de 17 anos (uma luta interna que não poupa a paixão), e, Pam (Kristin Bauer van Straten), sente-se só e frustrada pelo distanciamento de Eric, a sua arrogância é testada. Sam (Sam Trammell) tenta auxiliar o irmão Tommy (Marshall Allman) a ser um “homem” melhor mas, como diz o senso comum, os leopardos não mudam as suas pintas. O lobisomen Alcide (Joe Manganiello) junta-se novamente a Debbie (Brit Morgan), a devassidão da sua companheira dá lugar a um modelo de esposa numa narrativa entre a redenção versus a dependência. A bruxaria, a par de Marnie /Antonia, tem no casal Jesus (Kevin Alejandro) e Lafayette (Nelsan Ellis, um dos melhores atores da série) o lado menos sinistro da feitiçaria. A temporada é fértil em possessões o que implicou um esforço extra nas capacidades dos intérpretes, são vários os atores que têm de interpretar outros personagens para além dos seus. Uma tarefa que desafia as capacidades interpretativas a nível físico e psicológico dos protagonistas, e eles passam os testes com as melhores notas.
A produção
O Mississípi é um lugar místico para esta série com as suas localizações envolventes (recriadas num estúdio de Los Angeles) que são uma evocação do mistério destas narrativas. Em termos de efeitos especiais esta foi a temporada que deu mais trabalho em pós-produção. Alan Ball e os seus argumentistas investiram profundamente nas histórias e nos detalhes num fantástico trabalho do elenco e de produção que transforma cada temporada num agradável processo de criação. Esta temporada apesar de crescer em narrativas se alguém cair de paraquedas na quarta série pode ver a mesma como um objeto a solo.
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