Ao longo da última década Aaron Sokin escalpelizou com detalhe os meandros da governação política (Os Homens do Presidente), revelou os bastidores da produção de um programa de comédia televisiva (Studio 60 on Sunset Strip), escreveu os argumentos de três filmes com bastante sucesso, tanto aos olhos do público como da crítica, (Jogos de Poder, A Rede Social e Moneyball) e o acumular desses sucessos consecutivos fez dele um dos mais famosos e influentes autores de Hollywood. Mas a grande paixão de Sorkin é a elaboração de narrativas ambiciosas e complexas onde, através da interação de um extenso conjunto de personagens e situações, ele pode refletir sobre algumas das questões nucleares do quotidiano da América, sejam elas do foro político, ético, social, etc., e isso só pode ser feito de modo mais elaborado no formato televisivo.

Durante muitos anos os noticiários da noite das grandes cadeias televisivas americanas foram, ao mesmo tempo, uma janela para o mundo e o seu reflexo, os seus apresentadores eram assim como uma espécie de sacerdotes da verdade que diariamente ofereciam ao povo americano o essencial do que acontecia no país e no resto do mundo. Atualmente, com o aparecimento de novas cadeias televisivas dedicadas exclusivamente à informação e os ciclos de notícias de 24 horas, o que se vê na tv não é tanto o essencial do que se passa no mundo mas sim uma fragmentação do tecido noticioso que é escolhido e moldado para agradar às preferências dos vários públicos que seguem as notícias.

Há um velho adágio jornalístico, com raiz no jornalismo sensacionalista dos finais do século XIX, liderado por luminárias como Pulitzer ou Hearst, que diz algo como ‘If it bleeds, it leads’, que é como quem diz: o destaque vai para para o mais sensacional e chocante. O jornalismo tornava-se assim entretenimento de massas, que se deliciavam com os aspetos mais sórdidos de cada caso, fosse ele crime, escândalo político ou sexual. Este tipo de imprensa foi durante muitos anos desprezada pela «intelegentsia» e os ditos árbitros do bom gosto, no entanto Hearst, Pulitzer e outros construíram verdadeiros impérios com base neste ‘yellow journalism’.

A imprensa tabloide domina hoje o cada vez mais diminuto mercado da informação escrita, e na tv americana o modelo de sucesso de um serviço noticioso não são as três cadeias tradicionais ou a pioneira CNN, mas sim a controversa Fox News, que provou de forma definitiva que a informação não só pode ser um entretenimento como também pode ser um instrumento fortíssimo de pressão política.

E foi neste universo de pulverização dos ditames sacrossantos de um jornalismo idealizado que Aaron Sorkin decidiu centrar a ação da sua mais recente série televisiva. Produzida pelo canal de cabo HBO, The Newsroom (A Redação) é, nas mãos de Sorkin, um pólo de crítica e discussão sobre tudo o que vai mal no modo como se constroem e divulgam as notícias na tv americana.

No centro da intriga está o jornalista veterano Will McAvoy (Jeff Daniels), que não só é o editor-chefe do noticiário do horário nobre do fictício canal de notícias ACN, como também é o seu apresentador. Will surge-nos como um jornalista de veia liberal, mas que num mundo cada vez mais sensacionalista e tabloidizado perdeu a vontade de lutar por uma informação pura tendo-se deixado acomodar a uma posição de mero locutor de uma agenda comercial. No início da série Will é comparado ao comediante Jay Leno, cuja comédia agrada ao mais lato leque de público sem ofender ninguém.

No decurso de um debate televisivo, realizado numa universidade, sobre o processo político e informativo nos EUA, Will é pressionado de tal modo a tomar uma posição que acaba mesmo por fazê-lo de uma forma tão surpreendente quanto espetacular, deixando bem claro a sua perspetiva sobre muitos dos problemas do sistema político e o modo errado como as agências noticiosas o abordam.

A controversa prestação de Will no debate televisivo acaba por ter um efeito catalisador na sua vida pois o seu superior hierárquico Charlie Skinner (Sam Waterston), um nostálgico dos bons velhos tempos onde as notícias eram uma coisa séria, decide contratar Mackenzie McHale (Emily Mortimer) uma nova produtora executiva para o noticiário de Will, que por acaso é uma sua ex-namorada. Há naturalmente um conflito de egos mas rapidamente Will, MacKenzie e a sua equipa começam a dar a volta ao modelo noticioso da estação procurando a precisão dos factos ao sensacionalismo da emoção. E Will reencontra um segundo fôlego que lhe permite todas as noites oferecer aos americanos uma perspetiva mais informada e pessoal sobre o que se passa no país e no mundo.

Sorkin é um magnífico construtor de personagens e situações que polvilha com diálogos tão precisos quanto acutilantes, porém a sua construção é uma projeção liberal que tem mais a ver com o que ele acha que devia ser o processo informativo no século XXI do que a realidade do negócios das notícias, onde a tónica está exatamente no fator negócio.

A opção de centrar a ação da série num passado muito recente é por um lado interessante, pois permite a Sorkin dar-nos a sua ideia de como notícias fulcrais como o derrame do poço da BP no Golfo ou os inícios da primavera árabe poderiam ter sido dadas ao público de um modo mais sóbrio e fundamentado. Por outro lado, esta opção leva a série para o campo da pura fantasia televisiva onde com um conhecimento mais sólido dos factos se pode construir uma narrativa mais precisa dos factos. A velocidade e os ciclos frenéticos das notícias não permitem hoje a fundamentação e confirmação do fluxo noticioso com o cuidado e precisão que Sorkin prega, pois antes de mais nada, um programa informativo concorre diretamente com ficção escrita, reality-shows e outos artefactos da nossa época. Resumindo, as notícias são um produto de entretenimento que disputam o mesmo mercado que as telenovelas, os concursos, etc. O resultado final é quase sempre uma inevitável queda na qualidade da informação.

The Newsroom é assim uma projeção idealizada de como poderia ser a ação do ‘quarto poder’, um pouco à semelhança de Os Homens do Presidente, onde Sorkin imaginava um presidente dos EUA que era a imanência do ideal do sonho americano. Bem construída, excelentemente escrita, dirigida e interpretada esta série de Aaron Sorkin é um produto de tv do mais alto calibre, porém o seu universo, apesar de ter raízes na contemporaneidade, é tão fictício quando o mundo dos vampiros de Sangue Fresco, a soap opera de Anatomia de Grey ou a invasão extraterrestre de Falling Skies.