Sentado no banco de uma paragem de autocarros em Savannah, Georgia, Forrest Gump (Tom Hanks) conta aos estranhos que por ali passam a sua vida – desde pequeno, quando a mãe o ensinou a rejeitar ser tratado como inferior por ter um QI abaixo da média, até àquele momento em que se prepara para reencontrar a sua amiga de infância e amor de sempre, Jenny (Robin Wright). A realização de “Forrest Gump” (1994) é de Robert Zemeckis, o guião de Eric Roth e a história emociona e arranca sorrisos, de forma inesperada. Como numa caixa de chocolates, nunca sabemos o que nos vai calhar.

Naquele Estado norte-americano conservador do Alabama, Forrest Gump cresce com as lições de vida da mãe (Sally Field). A mãe garante que Forrest frequenta uma escola normal, apesar de o seu QI não lhe dar acesso a esses estudos. Diz-lhe que nunca se contente com pouco, que não aceite ser tratado como inferior.
Forrest vai crescendo a repetir estas lições, até que conhece Jenny no autocarro para a escola. Ele, com a sua inteligência curta e uma visão de longo alcance, não a larga mais. Já ela aproveita todas as oportunidades para fugir da casa de madeira onde o pai abusa dela e das irmãs. Um dia, Jenny pede a Forrest que reze com ela e a oração é muito simples – que Deus a transforme num pássaro para que possa voar para bem longe. Fugir é o que Jenny vai fazer durante a vida.

Por sua vez, Forrest vai tropeçando na sorte. Descobre que é capaz de correr velozmente quando larga a fugir dos rapazes que o perseguem, primeiro em criança, depois como jovem. Os ferros que o médico constrói para endireitar as suas pernas, em pequeno, desfazem-se em peças numa destas fugas. Noutra, Forrest irrompe por um campo de futebol americano e acaba por ser recrutado para a equipa da universidade.

Ao licenciar-se, apresentam-lhe um panfleto que lhe abre a porta do capítulo seguinte. Forrest Gump alista-se no exército e parte para o Vietname, depois de uma despedida em que Jenny lhe roga que corra quando estiver em perigo em vez de tentar ser um herói.

Forrest Gump (Winston Groom)

“Corre, Forrest, corre”

Claro que Forrest não segue o conselho e faz maratonas entre o local de um ataque que apanha toda a sua companhia e o pouso onde vai deixando os companheiros que consegue resgatar. Entre eles, está Lieutenant Dan (Gary Sinise), o seu comandante e militar de longa linhagem, descendente de quem antes deu a sua vida em batalhas pelo país. Dan insiste que Forrest deve deixá-lo morrer com os companheiros, mas ele salva-lhe a vida antes de partir novamente para o meio das explosões na vegetação cerrada do Vietname. Forrest tem de encontrar Bubba (Mykelti Williamson), o seu melhor amigo, que é coisa que ele próprio diz saber que é raro encontrar. Bubba não resiste ao ataque.

Ferido naquela corrida, Forrest recupera na enfermaria, onde descobre um novo hobby, o pingue pongue. Mais uma vez, o acaso traz-lhe uma nova porta quando se torna um campeão reconhecido em todo o país e condecorado pelo Presidente dos Estados Unidos. Será apenas uma das várias condecorações que este herói recebe ao longo da sua história, em diferentes visitas à Casa Branca.

As histórias de Jenny e Forrest voltam a cruzar-se neste momento. Eric Roth, cujo guião se baseia no romance de Winston Groom, mostra-nos a viagem que Jenny faz pela evolução dos costumes daquele país. A rapariga daquele Alabama profundo tinha sonhos de tornar-se cantora, como Joan Baez, diz ela. Em Washington, Forrest encontra-a enquanto ela participa nas manifestações pela paz, com o movimento hippie. Mais tarde, vamos ver Jenny no mundo disco, inebriada por várias substâncias, a subir com os seus tacões brilhantes para o parapeito de uma varanda.

47- Forrest Gump (1994)

Como uma caixa de chocolates

Ao ponderar o salto, Jenny é acompanhada por “Free Bird”, dos Lynyrd Skynyrd, um dos temas de peso da banda sonora do filme. Aqui ouvimos Elvis Presley (um dos hóspedes da casa dos Gump e que se inspira nos movimentos metálicos de Forrest para os seus míticos passos). Há uma mão cheia de canções dos The Doors, desde “Love Her Madly” a “Soul Kitchen”. The Supremes, Jefferson Airplane, Beach Boys e The Mamas & The Papas são alguns dos grupos que se ouvem no filme.

Aretha Franklin, com o seu “Respect”, é uma das vozes que aguçam o conteúdo histórico do filme. É que enquanto Jenny viaja pelas mudanças culturais e sociais do século XX americano, Forrest Gump encontra-se várias vezes a protagonizar ou participar em momentos históricos marcantes. Ali está ele na contestação dos movimentos de integração de estudantes afro-americanos nas universidades. Ali está ele, com Jenny, num encontro do Black Panther Party. Ali está ele, convenientemente, a participar na descoberta do escândalo do Watergate e a assistir, depois, à demissão do Presidente Nixon. Ali está ele num programa de televisão, ao lado de John Lennon, que profere em conversa algumas frases da sua música “Imagine”.

Em alguns destes episódios, os efeitos técnicos – cuja qualidade foi muito elogiada e premiada – introduzem o rosto de Tom Hanks em imagens históricas de arquivo. O resultado é algo forçado, mas compreendemos que a veia cómica do filme vai beber também a estas coincidências históricas. De outra forma, correríamos o risco de ter Forrest Gump como elemento cómico do filme. E essa não foi a escolha da história, nem do ator, nem poderia ser essa a mensagem deste herói acidental.

Na verdade, Tom Hanks consegue um equilíbrio perfeito entre o drama de umas cenas – quando a mãe lhe explica, antes de morrer, que a morte faz parte da vida – e a comédia de outras – quando o Lieutenant Dan pergunta a Forrest e Bubba se são gémeos.

Forrest Gump (1994)

Não, não poderíamos permitir-nos rir com Forrest Gump tanto quanto acabamos por nos emocionar com ele. Com a simplicidade que Tom Hanks transmite à personagem, Forrest revela a sua essência no momento mais comovente do filme. Ao saber que é pai do filho de Jenny, o pequeno Forrest dá um passo atrás. Aquele homem que vemos correr agilmente por esse país fora, que atravessa as chamas das explosões no Vietname… Aquele homem, que pegou na firmeza da mãe e a transformou em coragem, fica fisicamente abalado pela notícia. E tudo porque, como pergunta de imediato a Jenny, quer saber se o filho é inteligente ou se herdou as suas limitações. A cena é de uma humanidade arrasadora e o desempenho de Tom Hanks é arrebatador, tendo-lhe valido um Óscar e o papel de uma vida.

É também de grande emoção a cena em que Forrest se despede de Jenny, perto da morte desta, ao contar-lhe tudo o que viu quando partiu a correr por essa América fora. Durante dois anos, Forrest viu paisagens arrebatadoras, onde não se conseguia distinguir o azul do céu e o reflexo na água, onde as montanhas se confundiam com o horizonte. Forrest conta tudo isto a Jenny, desejando que ela o tivesse acompanhado nessa empreitada para que assistisse com ele à beleza do país. Mas Jenny não podia tê-lo acompanhado. Forrest saíra a correr depois de ela desaparecer da sua vida, uma vez mais. Corria para deixar o passado para trás, como a mãe lhe ensinara a fazer.

Deixar o passado lá atrás é uma das premissas deste filme, lançado há já 25 anos, onde Forrest pergunta – perante a sepultura de Jenny, se existe um destino traçado para cada um de nós ou se flutuamos pela vida, como aquela pena que voa no início e no final do filme. É ele mesmo que dá a resposta: um pouco dos dois. Caminhamos ao sabor da sorte, por caminhos já escritos, é o que acha Forrest Gump. Não podemos adivinhamos o que vai acontecer, porque, afinal, a vida é como uma caixa de chocolates. E nunca sabemos o que é que nos vai calhar.

Créditos finais

O cinema, os filmes, também são assim. Assistimos aos trailers. Conhecemos os atores. Acompanhamos os realizadores. Mas nunca sabemos o que nos vai calhar. Nesta lista de 30 filmes para ver antes dos 30, houve de tudo – interpretações extasiantes, histórias esmagadoras, realizadores incríveis. Houve lições de vida surpreendentes e verdadeiras obras de arte que marcaram a história do cinema. Como num curso, umas disciplinas agradaram mais do que outras. De todas se retirou alguma coisa. E, embora o tempo siga em contagem decrescente, a lista de filmes continua a crescer. Por isso, fica por aqui esta publicação regular de revisitas dos filmes que devemos ver até aos 30 anos, mas continuará, ocasionalmente, em www.filipamoreno.com, quando houver o que dizer.

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