Considerado por muitos como um dos melhores filmes do séc. XXI, “Este País Não é Para Velhos” (2007) é um clássico dos irmãos Coen. De inspiração western, trata-se de uma história que não tem um começo nem um fim, mas vive através de uma personagem que é tão brilhante quanto estranha.
Quando o conhecemos pela primeira vez, Anton Chigurh (Javier Bardem) está deitado no chão da esquadra. As algemas que tem nos pulsos estão contra a garganta de um polícia. Os olhos esbugalhados de Javier Bardem arrepiam. Na cena seguinte, fugido da prisão, Chigurh pára um carro, pede cordialmente ao condutor que saia do veículo e que fique quieto. Com uma bomba de ar comprimido apontada à testa do homem, mata-o. A arma e o cabelo comprido arredondado nas pontas denunciam Chigurh como um homem perigoso e estranho, sem escrúpulos ou remorsos. É apenas por pura sorte de uma moeda atirada ao ar que Chigurh poupa a vida do dono de um posto de combustível, cujo único erro foi fazer conversa de circunstância.
O filme desenrola-se com a perseguição de Anton Chigurh a Llewelyn Moss (Josh Brolin), caçador que encontra dois milhões de dólares no cenário de guerra de um negócio de droga que corre mal.
Não nos é dito nada sobre as personagens. Chigurh anda atrás do dinheiro, mas não sabemos porquê. Usa aquela botija de ar comprimido como arma absolutamente fatal, mas não sabemos porquê. Sabemos apenas que respeita as regras ditadas pela sorte e o azar.
De Llewelyn também sabemos pouco. Percebemos que consegue antecipar os passos de Chigurh com enorme perspicácia porque é um veterano de guerra, muito mais ágil do que a sua aparência nos faz adivinhar. Ainda assim, Llewelyn morre depois de uma longa fuga, como um animal derrotado no final da caçada por uma mera distração.
O terceiro vértice da história é o xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones), que, por antítese, anda sempre um passo atrás dos acontecimentos. Não parece ser assim por inexperiência mas por cansaço. O xerife espera pela reforma como fuga a uma cidade que, diz, se tornou demasiado perigosa. É ele quem dá nome ao filme, num desabafo final em que conclui que os tempos são agora demasiado avançados para homens velhos, como ele.
Ethan e Joel Cohen – cujo argumento se baseia numa história de Cormac McCarthy – preferem delegar no espectador a missão de conectar as pequenas pistas para dar sentido à história. Os diálogos são escassos, assim como a música, praticamente limitada aos créditos finais. Uma das cenas mais intensas prescinde inteiramente de diálogo: quando Chigurh descobre Llewelyn no hotel, este percebe e consegue defender-se. Saem para a rua numa troca de tiros, ambos ficam feridos e recolhem.
A imagem conta tudo o que se passa e sugere aquilo que não nos é mostrado – Chigurh vê se tem sangue nas botas depois do encontro com Carla Jean Moss (Kelly Macdonald), a mulher de Llewelyn que o vilão tinha prometido matar caso não lhe fosse entregue o dinheiro. Percebemos que a promessa se cumpriu. Ao espectador é pedido que tire o sentido da história, que perceba a moral em causa. Mas que moral tem o filme, se Chigurh sofre apenas um acidente automóvel (já na reta final), depois de matar indiscriminadamente?
Carson Wells (Woody Harrelson), que tenta proteger Moss, tem o mesmo fim. Diz a Chigurh, perante a arma, que não tem de o matar. E é verdade. É assim durante todo o filme, quando Chigurh não tem de matar todos os que se cruzam com ele, mas fá-lo sem dificuldades. Não parece ser por prazer que o faz. É só um caminho mais fácil para chegar ao seu objetivo. Qual é o objetivo? Ficamos sem saber.
Da mesma forma que a história não tem um início, esfuma-se num final sem mais conclusões além da ideia de que aquele país já não é para velhos. Fica a riqueza da imagem e a mestria do storytelling, além da certeza de que fica muito por contar sobre Anton Chigurh.
Comentários