Na lista das experiências cinematograficamente mais marcantes de muitas gerações de espetadores, parece haver uma comum a quase toda a gente: a morte da mãe de Bambi, na mítica longa-metragem de animação dos estúdios Disney de 1942. A força do filme tem sido tal que muitas pessoas juram a pés juntos que viram a mãe do pequeno cervo morta, uma imagem que nunca existiu ne película, em que Bambi foge dos caçadores, que também nunca se vêem, e ouve apenas o som de um tiro.
Apesar de ter tido antestreia em Nova Iorque a 13 de agosto, a estreia alargada de
«Bambi» deu-se há precisamente 70 anos, a 21 de agosto de 1942. A produção animada da Disney chegou às salas de cinema norte-americanas em plena Segunda Guerra Mundial mas, à época, perdeu dinheiro, já que o conflito impediu a estreia do filme em vários países da Europa e levou a que o seu custo de produção elevadíssimo não pudesse ser imediatamente recuperado. A situação resolveu-se logo na primeira reposição, em 1947, e desde então «Bambi» tornou-se um dos mais míticos e rentáveis filmes do estúdio do Rato Mickey, cuja reputação crítica não tem deixado de aumentar.
Adaptado de um romance austríaco escrito em 1923 por Felix Salten, «Bambi» integra o que os especialistas consideram «o quinteto de ouro de longas-metragens de Walt Disney», composto pelas cinco primeiras longas totalmente em animação do estúdio, consideradas cumes de qualidade praticamente inultrapassável:
«Branca de Neve e os Sete Anões» (1937),
«Pinóquio» (1940),
«Fantasia» (1940),
«Dumbo» (1941) e «Bambi», cuja animação era tão difícil e minuciosa que progredia ao ritmo de um segundo no ecrã por dia. A partir daí, Disney nunca mais voltou a investir na animação com a mesma intensidade, pessoal e financeira, e o arrojo, experimentalismo, impacto e força narrativa daquelas fitas quase não voltou a ser repetido.
No caso de «Bambi», o filme esteve em produção durante cinco anos, e envolveu um estudo intensivo dos movimentos dos animais, representados com um realismo e uma sensibilidade inéditas na época e nunca ultrapassadas desde então. A própria representação da natureza, nas suas várias estações, cuja progressão do tempo empurra a história para a frente, é não só plasticamente espantosa como narrativamente muito arrojada.
Ao contrário da maioria da animação ocidental, cuja história é comprimida num espaço muito reduzido de tempo, a saga da vida de Bambi abarca todo o período que vai do nascimento à idade adulta, ao longo das quatro estações. A sequência mais célebre é a da morte da mãe do pequeno veado, que acontece totalmente fora de campo, numa noite cheia de neve, com o espectador a acompanhar totalmente o protagonista, que foge à frente a pedido da progenitora, ouve o estampido do tiro, esconde-se, e volta depois ao mesmo local em busca dela, onde encontra o imponente veado que lhe diz que ela nunca mais poderá estar com ele.
A cena continua a ter tal impacto nos dias de hoje que quando o American Film Institute fez em 2003 uma seleção dos maiores vilões da história do cinema americano, colocou no 20º lugar «o homem» de «Bambi», uma presença que nunca é vista nem ouvida no filme, mas é sentida e cujas acções têm como consequência directa a morte da mãe do protagonista. A música que anunciava a presença do homem e tinha apenas três notas, é tão evocativa que terá servido de inspiração a John Williams para a criação da mítica banda sonora de «Tubarão».
Mas um dos legados mais relevantes que «Bambi» nos deixou, e que raramente tem qualquer tipo de reconhecimento, é o de, em paralelo com «Dumbo», estreado no ano anterior, transmitir ao público em geral a ideia de que os animais são seres vivos com emoções e sentimentos, e que necessitam de proteção. Paul McCartney, por exemplo, assume que foi «Bambi» que incentivou o seu ativismo pelos direitos dos animais.
A importância histórica do filme ficou publicamente sedimentada em dezembro de 2011, quando «Bambi» foi adicionado ao National Film Registry da Biblioteca do Congresso norte-americano, integrado no pacote de 25 filmes «cultural, historica ou esteticamente significativos» escolhidos anualmente pela instituição. Mas muito antes disso, de forma mais informal, «Bambi» já era uma das obras mais míticas e continuamente reconhecidas da história do cinema.
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