"No Brasil, há uma trama que corrói os princípios democráticos", lamentou Caetano Veloso esta segunda-feira (7) numa videoconferência com jornalistas após a exibição do documentário sobre a sua prisão durante a ditadura militar (1964-1985) no Festival de Veneza.
"Por trás de uma aparência de democracia no Brasil existe uma ameaça mais subtil, menos clara. Há uma estrutura autoritária, quase uma contaminação, uma trama que corrói os princípios democráticos, impede a circulação de ideias e a afirmação de direitos", disse o músico baiano, que não citou o nome do presidente Jair Bolsonaro.
Caetano, de 78 anos, que não pôde comparecer à estreia em Veneza devido às limitações impostas pelas autoridades italianas por causa da pandemia do coronavírus, é o único protagonista do documentário "Narciso em Férias", exibido fora da competição.
Escrito e realizado por Renato Terra ("Uma Noite em 67") e Ricardo Calil ("Cine Marrocos"), o documentário de 83 minutos é um depoimento íntimo, sensível e comovente sobre os 54 dias que ele passou preso em 1969 por ordem da ditadura.
"A situação é diferente de 1968, mas a forma de administrar os assuntos públicos no meu país muitas vezes não é democrática", explicou.
"Antes havia uma ditadura explícita, hoje estamos prestes a perder as liberdades democráticas", acrescentou.
No filme, que não traz outras imagens ou entrevistas, Caetano relê o interrogatório feito pela polícia e recentemente recuperado, no qual é acusado de "terrorismo cultural" por ter mudado a letra do hino nacional.
"Foi muito emocionante. Não tinha ideia de que existia. O documento apareceu antes do filme ser feito, graças a uma investigação da Comissão da Verdade", revelou.
O artista relembra o período do confinamento no filme e revive episódios dolorosos.
"A recordação foi catártica para mim, saí de casa a pensar que ia gravar uma entrevista e em vez disso encontrei-me há 50 anos, com uma história que durante muito tempo ficou em segredo e que me emociona muito", confessou.
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