Embora a Argentina tenha estado sub-representada nos últimos festivais internacionais devido aos cortes governamentais no setor, cinco filmes argentinos estão em Veneza, incluindo o documentário de Lucrecia Martel "Nuestra Tierra" (A Nossa Terra).

Desde que o Presidente Javier Milei assumiu o poder em Dezembro de 2023, as suas medidas de austeridade tiveram um grande impacto na indústria, especialmente no Instituto Nacional de Cinema e Artes Audiovisuais (INCAA), o organismo público responsável pela promoção e apoio à produção cinematográfica.

Os cortes paralisaram o setor, deixando as produtoras com menos margem de manobra.

Anteriormente, a produção era apoiada por uma série de subsídios, por vezes sob a forma de adiantamentos, mas "agora é necessário obter o seu próprio financiamento privado", disse Vanesa Pagani, presidente da Associação de Produtores Independentes de Media Audiovisuais (APIMA).

Só quando cumpre todos os requisitos, "tem direito ao subsídio", disse à agência France-Presse (AFP).

De acordo com Pagani, desde que o INCAA está sob nova direção após a eleição de Milei, "nenhum filme obteve o financiamento necessário para ser feito".

"Ninguém sabe para onde vão os recursos do INCAA, porque tem recursos, uma vez que arrecada uma percentagem da venda de bilhetes de cinema, além de outras taxas, mas esse dinheiro não está a ser investido na produção nacional", disse Javier Campo, investigador especializado em documentários.

"Uma tempestade perfeita"

"Un Cabo Suelto", de Daniel Hendler

No Festival de Cannes deste ano, onde a Argentina tem tradicionalmente uma presença de destaque, o país contou apenas com a curta-metragem "Tres", de Juan Ignacio Ceballos, e "Drunken Noodles", uma longa de Lucio Castro.

Os efeitos dos cortes de orçamento de Milei também se fizeram sentir na última edição do Festival Internacional de Cinema de Berlim, onde o único filme argentino exibido foi "El mensaje", de Ivan Fund, que ganhou o prémio do júri.

Mas em Veneza, para além do documentário fora de competição de Martel, a Argentina estará representada por "Un Cabo Suelto", de Daniel Hendler, coproduzido com o Uruguai e a Espanha; "Pin de Fartie", de Alejo Moguillanski, "The Souffleur", de Gaston Solnicki, coproduzido com a Áustria, e "El Origen del Mundo", uma curta-metragem de Jazmin Lopez.

No entanto, interpretar os cinco filmes como uma "recuperação" para o cinema argentino seria um erro, disse Campo, dado que se tratam de "coproduções com financiamento em grande parte externo".

"Seria difícil dizer que são filmes inteiramente argentinos", notou.

Hernan Findling, presidente da Academia Argentina de Artes e Ciências Cinematográficas, considerou a situação uma "espécie de tempestade perfeita" que quase paralisou a produção.

Entre um "governo que não defende a cultura" e as drásticas mudanças macroeconómicas observadas na Argentina, "os custos são elevados" para a indústria cinematográfica, esclareceu.

"A produção cinematográfica vai cair consideravelmente a curto e médio prazo", acrescentou.

Menos oportunidades

Embora as plataformas de streaming e as grandes produtoras estejam a ajudar a manter as rodagens, as pequenas produções estão a ser postas de lado, uma vez que não se conseguem financiar antecipadamente.

"Há uma parte do cinema que se está a perder, uma parte do cinema que tem uma longa história nos festivais, um perfil que vai para além da quantidade de bilhetes vendidos ou não", disse Pagani.

Embora as contribuições das plataformas sejam valiosas, disse Findling, "não pode ser a única coisa que a Argentina produz".

Além disso, as plataformas de streaming tendem a apoiar realizadores, atores e argumentistas consagrados, com menos oportunidades para os novatos.

Por sua vez, Nicolas Vetromile, editor e delegado do sindicato ATE no INCAA, alertou para o risco de uma "uberização do cinema", com leis laborais menos rigorosas a reger as plataformas de streaming.

"Hoje, todas estas questões ficam ao critério do empregador", disse.