Os relvados ainda fazem parte da vida de Éric Cantona, o polémico ex-jogador do Manchester United e da seleção francesa – embora a sua atuação agora se faça por outros meios – nomeadamente no cinema.
A viver na capital portuguesa há dois anos, o antigo atleta passou pela Festa do Cinema Francês, a decorrer em Lisboa até o dia 16, onde conversou com o SAPO Mag a propósito de “Marie et les Naufrages”, exibido na mostra.
Como indicação da sua manifesta reserva em falar sobre o passado, o agora ator exigiu a presença do realizador, Sébastien Betbeder, nas sessões de entrevista. Apesar disto, quando se trata de atualidades, Cantona não se esquivou de falar sobre futebol…
Futebol, política e imigração
Era escusado perguntar ao jogador sobre o seu percurso desportivo, que envolve tanto alguns anos gloriosos na equipa britânica do Manchester United como um longo périplo de agressões, insultos, suspensões e processos judiciais que contribuíram para um precoce abandono dos relvados com apenas 30 anos.
Sempre sério e reservado, no entanto, o ex-jogador mostrou-se solícito e particularmente interessado quando o assunto foi cinema – em particular na sua ainda incipiente carreira como realizador, que se iniciou com um curta-metragem em 2002 mas, mais importante, teve um novo passo com o documentário “Foot et Immigration, 100 ans d’Histoire Commune”, que corealizou com Gilles Perez para a televisão francesa.
'O principal do filme é a paixão pelo futebol e a partir daí decidi contar uma história e abordar o tema da imigração em França – afinal os grandes jogadores são de vários lugares. Toda a história do futebol no nosso país está ligada a imigrantes – como os casos de Platini ou Zidane, por exemplo'.
Há um pano de fundo sociopolítico no filme? 'Sim, por ser muito popular o futebol influenciou sempre a política nos últimos anos – tanto de forma positiva como negativa', analisa.
E, já agora, pensa em investir na realização? 'Sim, é uma ideia que me agrada'.
O Rio de Janeiro…é aqui!
Surpreendente é a sua resposta sobre porque escolheu Portugal para viver.
'Há anos atrás ia muitas vezes ao Rio de Janeiro e acho Lisboa muito parecida – o Rio na Europa. Até tem um pequeno ‘corcovado’ [risos]. De qualquer forma, gosto imenso da cidade – a arquitetura, o mar, o sol, as ruas, o pavimento preto e branco, a língua. Está tudo reunido aqui'.
Uma carreira coerente
Cantona começou a entrar em filmes em 1995 e, a partir daí, tem feito uma participação regular no cinema – onde já contracenou com Cate Blanchett em “Elizabeth” (1998) e teve um dos grandes destaques em “O Meu Amigo Eric” (2009), obra do galardoado Ken Loach onde fazia uma versão de si próprio. Já há dois anos contracenou com Mads Mikkelsen e Eva Green em “The Salvation”, obra selecionada para o Festival de Cannes.
'Bom, é um conjunto de filmes muito diferentes uns dos outros mas o principal é que há uma coerência no seu conjunto', é a resposta que se lhe pede para olhar em retrospetiva e analisar sua carreira no cinema.
Em “Marie et les Naufrages”, que o trouxe à Festa do Cinema Francês, vive um escritor melancólico e angustiado.
'Li o argumento, que amei, e encontrei o Sébastien [Betbeder] para falarmos. Gostei muito da história em geral desta personagem, alguém atormentado que, no entanto, não deixa de vivenciar situações cómicas', justifica como motivação.
Conheça Maria e os seus 'náufragos'…
“Marie et les Naufrages” é uma comédia com tons bastante sombrios que trata de três homens que, por diferentes razões, seguem uma mulher (Vimala Pons) até uma ilha – eventualmente em busca do romantismo perdido.
Segundo o realizador, a ideia foi, desde o início, levar estes personagens para uma um lugar que lhe pareceu ideal para que entrassem num processo de transformação interior.
'A magia deste lugar, na Bretanha, que conhecia muito bem e pude explorar, era o local ideal para que se pudessem reinventar', observou.
Para além de Cantona, o realizador reuniu no elenco um dos talentos em ascensão do atual cinema francês, a atriz Vimala Pons e, ao mesmo tempo, uma das suas grandes divas – Emmanuelle Riva (“Hiroshima, Meu Amor” (1959), “Amour”, 2012).
'Por ser uma personagem que tinha apenas 15 minutos de aparição foi excelente ter uma atriz como ela – que acabou por passar a verdadeira dimensão da mãe da personagem de Vimala no filme', concluiu.
Outro dos atrativos do filme é a banda sonora do ícone indie Sébastien Tellier.
'A música é fundamental', completa, em jeito de conclusão.
Trailer (original).
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