Disponível em Portugal desde 2016, a Filmin é uma plataforma de cinema que se distingue pelo cuidado e toque pessoal na apresentação em canais e coleções temáticas dos seus filmes, seja dos grandes estúdios de Hollywood ou do circuito independente e de autor, europeu, americano ou asiático.

Outubro marca o regresso à Filmin do My French Film Festival, o primeiro festival de cinema online de língua francesa, para oferecer a todos os subscritores uma seleção de 20 longas e curtas-metragens produzidas em vários países, inéditos em Portugal e apresentados nos mais importantes festivais internacionais de cinema, emblemática da pluralidade e da criatividade do cinema francês e francófono.

Além da seleção que estará disponível de 6 a 29 de outubro, a Filmin tem muitas outras propostas para os amantes do cinema francês e de língua francesa, nomeadamente uma coleção de comédias, das deliciosas às bizarras, das ternurentas às absurdas, com alguns dos maiores talentos à frente e atrás das câmaras da atualidade...

Na Cama com Victoria (2016)

Destacada como um dos talentos a acompanhar de uma nova vaga de cineastas franceses pela revista Cahiers du Cinéma em 2013, Justine Triet tornou-se em maio deste ano apenas a terceira realizadora com um filme distinguido no Festival de Cannes com a Palma de Ouro, depois de Jane Campion em 1993 com "O Piano" e Julia Ducournau, em 2021, com "Titane" (títulos que estão disponíveis na Filmin).

Só em fevereiro do próximo ano será possível ver nos cinemas portugueses "Anatomie d'une chute" e a história sobre uma escritora alemã que tenta provar em tribunal a sua inocência depois de ser acusada pelo assassinato do seu marido francês, pelo que vale a pena descobrir entretanto como a realizadora foi capaz de dar frescura e algumas surpresas ao género das comédias românticas com o seu segundo filme, o delicioso "Na Cama com Victoria".

Nomeado para os César (os "Óscares" franceses) pelos seus maiores superlativos (o próprio filme, o argumento original e as interpretações de Virginie Efira, Vincent Lacoste e Melvil Poupaud), a história também passa pelos tribunais, mas num registo muito diferente, quando Victoria aceita defender um amigo de longa data acusado de tentativa de homicídio, tendo como única testemunha de defesa... um cão.

Mas esse é apenas um dos sarilhos em que se vai meter a advogada criminal e mãe solteira de 30 e poucos anos a passar por uma fase difícil da vida, que contrata um antigo traficante de drogas que livrou de problemas para tomar conta das filhas pequenas e tem de lidar com um ex, com aspirações a ser escritor, que publicou na Internet uma história tão inspirada na sua relação que fica na fronteira da difamação...

Petite Fleur (2021)

Nomeado para o Óscar de Melhor Filme Internacional na mais recente cerimónia das estatuetas douradas, "Argentina, 1985", sobre a equipa que levou à justiça os membros da ditadura militar mais sangrenta do país, foi a grande consagração internacional e mediática de Santiago Mitre, que já se afirmara como um dos talentos interessantes do cinema atual com os aclamados “La Patota” (2015) e "La cordillera" (2017).

O que é menos conhecido é que foi lançado outro filme do cineasta argentino no mesmo ano, rodado nas primeiras semanas de 2020 e que ficou à espera do fim da crise da pandemia, outra proposta inovadora e bizarra que alguns defendem que é mais estimulante e ousada: "Petite Fleur", uma estreia em francês e num registo completamente diferente, com Melvil Poupaud, Daniel Hendler, Vimala Pons e Sergi Lopez.

A adaptação de "Pequeña Flor", de Iosi Havilio, centra-se em José, cuja vida matrimonial caiu na rotina e um dia se vê atraído à casa do vizinho, que acaba, por impulso e inexplicavelmente, por assassinar. Só que, no dia seguinte, a vítima continua viva e José volta a sentir o mesmo impulso: matar o vizinho passa a fazer parte de uma nova e mais libertadora rotina, tal como cuidar do bebé, arranjar a casa e tentar salvar a relação.

O título internacional de "Petite Fleur" é "15 Ways to Kill Your Neighbour" ("15 maneiras de matar o teu vizinho"), que Santiago Mitre detesta e com razão pois não faz justiça a esta peculiar e inclassificável romântica que também é uma provocadora comédia de humor negro, um drama surrealista e uma fábula catártica e muito sangrenta sobre a relação de um casal.

Agente Haxe (2020)

"50 % Agente, 50% Dealer, 100 % Pura!" é a apresentação deste filme com um pé na comédia e outro no policial de Jean-Paul Salomé, o realizador do popular "Arsène Lupin - O Ladrão Sedutor" (2004).

Incontornavelmente o grande destaque é a presença daquela que é, há várias décadas, uma das maiores estrelas do cinema internacional: Isabelle Huppert domina o ecrã no papel de uma tradutora "freelancer" de árabe-francês (com o inacreditável nome de Patience Portefeux), que se especializou na transcrição das escutas telefónicas numa unidade de narcóticos em Paris, um trabalho duro e mal pago que nem o romance com o comandante torna mais entusiasmante.

Quando ela se apercebe que numa das escutas está o filho da mulher que trata com devoção da sua mãe no lar de idosos, decide protegê-lo e não demora muito até se ver no meio de uma rede de tráfico de droga... e com as mãos num grande carregamento de haxixe. A oportunidade junta-se à necessidade e com a ajuda do seu novo parceiro, um antigo cão-polícia, nasce uma talentosa revendedora que usa hijab e está vários passos à frente dos traficantes e da polícia.

Nomeado para o César de Melhor Argumento Adaptado, eis uma comédia que vale pelo prazer de ver Isabelle Huppert a criar a personagem de uma 'dealer' com acesso a muito material e o melhor dos dois mundos, a experiência de campo e muita informação privilegiada, além de um velho revólver e prestáveis vizinhos chineses. E depois desta boa experiência, a atriz e Jean-Paul Salomé já se juntaram noutro projeto...

Mandíbulas (2020)

A Filmin permite fazer um mini-ciclo do realizador e músico Quentin Dupieux com três dos seus melhores e mais inclassificáveis filmes, incluindo um dos mais recentes, aclamado pela crítica no Festival de Veneza.

Depois de mostrar um pneu com poderes telecinéticos misteriosamente atraído por uma jovem muito sensual algures no deserto da Califórnia ("Rubber - Pneu", de 2010), e Jean Dujardin como um homem cuja obsessão pelo seu casaco o leva a entrar no mundo do crime ("100% Camurça", de 2019), chegou a vez de ver o que acontece quando dois amigos simplórios encontram uma mosca gigante no porta-bagagens de um carro... e decidem treiná-la para ganhar muito dinheiro.

O resultado é um original e ternurento "buddy movie" que foge aos clichés do género, sem com isso deixar de se reconhecer o universo absurdo do seu realizador, servido à altura pelas presenças de Grégoire Ludig e David Marsais, a popular dupla cómica televisiva conhecida por Palmashow, além de Adèle Exarchopoulos.

O Teste (2021)

Há cerca de uma década que Alexandra Lamy se consagrou definitivamente como um dos talentos mais populares e expressivos do cinema francês, no drama e principalmente na comédia.

"Com Todas as Nossas Forças", de 2013, e "Isto Só a Mim!", ambos no catálogo da Filmin, são exemplos num e noutro género, mas o recente "O Teste" permite reencontrar o seu talento como comediante no papel de uma mulher bem instalada cuja vida harmoniosa e pacífica com o marido e os quatro filhos é perturbada pela descoberta, num fim de semana, de um teste positivo de gravidez na casa de banho.

A partir daqui, sucedem-se os inevitáveis mal entendidos nesta comédia direta ao coração que fresca o género com tanto de absurdo como de comovente, servida pelo talento dos atores e uma história inteligente do realizador Emmanuel Poulain-Arnaud com o seu co-argumentista Noé Debré , que sacodem sentimentalismo, estereótipos e outras armadilhas do género, para fazer subtilmente refletir sobre laços familiares, crises da meia-idade, emancipação, medo da solidão e, afinal, para que serve ter uma vida harmoniosa e pacífica...