Pelo menos nove mil crianças morreram durante décadas na Irlanda em lares e orfanatos que recebiam mães solteiras e as separavam dos filhos, revelou um relatório publicado esta terça-feira (12) em Dublin.
O primeiro-ministro, Micheál Martin, já anunciou que pedirá desculpa em nome do Estado irlandês após uma comissão especial de investigação ter encontrado níveis "preocupantes" de mortalidade infantil nestas instituições, que funcionaram no país fortemente católico entre 1922 e 1998.
A investigação foi iniciada em 2015 com base no trabalho da historiadora Catherine Corless, que descobriu que quase 800 crianças nascidas numa destas instituições, o Lar St. Mary, da Congregação das Irmãs do Bom Socorro, em Tuam (oeste da Irlanda) foram enterradas numa vala comum entre 1925 e 1961.
"É difícil imaginar a magnitude da tragédia e a dor que se esconde por trás do número de nove mil crianças e bebés" mortos, afirmou o ministro irlandês da Infância, Roderic O'Gorman.
Dirigidos por freiras, em colaboração com o Estado irlandês, as instituições acolhiam adolescentes e jovens grávidas rejeitadas pelas famílias. As crianças que nasciam ali, consideradas ilegítimas, frequentemente eram separadas das mães e dadas para adoção, rompendo os laços com as suas famílias biológicas.
No cinema, esta prática tornou-se conhecida do grande público com "As Irmãs de Maria Madalena" (2002), realizado pelo conhecido ator irlandês Peter Mullan ("Trainspotting", "O Meu Nome é Joe").
A partir das histórias fictícias de quatro jovens, o filme retratava a brutalidade praticada nas casas das Madalenas da Irlanda, metade conventos e metade cárceres, governadas por freiras, para onde mães solteiras e vítimas de violação eram enviadas para expiar os seus pecados, muitas vezes pelas próprias famílias e durante toda a vida, tornando-se "reclusas" obrigadas a viver e trabalhar sem serem pagas.
Considerado um dos melhores filmes do ano, o seu impacto e escândalo foi ampliado quando recebeu o Leão de Ouro, a distinção máxima do festival de Veneza, mas várias mulheres que passaram por estas instituições disseram posteriormente que a realidade era muito pior do que a que foi retratada.
Uma delas descreveu mesmo ao jornal The Guardian: "Não gosto de o dizer, mas o filme é brando com as freiras".
Mais mediático é "Filomena", um filme de 2013 realizado por Stephen Frears que concorreu a vários Óscares, valendo a Judi Dench a sétima nomeação da sua carreira.
A história é verídica e familiar: Filomena, uma rapariga irlandesa, engravidava na adolescência e era rejeitada pela família, que a enviava para o convento de Roscrea, onde recebia ajuda das freiras e, em compensação, era obrigada a trabalhar na lavandaria e não estava autorizada a ver o filho mais do que uma hora por dia.
Aos três anos, a criança foi adotada por uma família americana e Filomena, inconformada, passa os 50 anos seguintes a tentar encontrá-lo, acabando por ser ajudada por um jornalista sedento de protagonismo (papel de Steve Coogan, que co escreveu o argumento), partindo para os EUA à procura da verdade.
O chefe do governo irlandês destacou que "toda a sociedade foi cúmplice" nesta prática que levou 57 mil crianças a passarem por estas instituições, com as nove mil mortes a corresponderem a 15%.
Micheál Martin recordou "a grave e sistemática discriminação contra as mulheres, especialmente às que deram à luz fora do casamento" nume país profundamente católico.
"Tínhamos uma atitude completamente distorcida com relação à sexualidade e à intimidade", uma "disfunção" pela qual "as jovens mães e os seus filhos e filhas" nestas instituições "se viram obrigadas a pagar um preço terrível", afirmou.
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