Se a versão mais popular do livro que o britânico Charles Lutwidge Dodgson (sob o pseudónimo Lewis Carroll) colocou no imaginário colectivo em 1865 é ainda a que Walt Disney lançou em 1951, muitos outros cineastas tentaram, antes e depois, levar o clássico
«Alice no País das Maravilhas» ao cinema, quase sempre sem grande apreço da crítica e do público.
A maioria das vezes, é o lado feérico do livro de Carroll o mais privilegiado, com o cinema a tentar recriar as várias criaturas que Carroll criou, mas despidas do lado satírico e carregado de nonsense que lhes era intrínseco. As várias adaptações directas assumem quase sempre o título «Alice no País das Maravilhas», embora boa parte delas utilize livremente personagens como Tweedledee e Tweedledum, que surgem apenas em
«Alice do Outro lado do Espelho», uma espécie de sequela que o autor lançou sete anos depois.
Durante o cinema mudo foram feitas três adaptações directas do livro, a primeira das quais logo em 1903, e da qual hoje só restam parcelas. Seguiu-se uma versão de 10 minutos produzida por Edison em 1910 e outra realizada por W.W.Young já quase de uma hora, em 1915.
Com a generalização do consumo de longas-metragens e a chegada do som a possibilitar a utilização dos diálogos de Carroll, as adaptações tornaram-se mais ambiciosas. No início dos anos 30, Hollywood produziu duas versões mais «completas», mas que se saldaram ambas por desapontamentos de bilheteira.
A primeira, de 1931, está praticamente esquecida e foi feita por um pequeno estúdio, o Metropolitan, com um elenco de actores amadores.
A segunda, de 1933, foi uma grande produção da Paramount carregada de nomes sonantes, a primeira de várias em que se tentou, de forma faustosa, recriar o universo de Carroll. Realizada por
Norman Z.MacLeod, tinha um elenco de luxo que integrava nomes como
W.C.Fields como Humpty Dumpty,
Cary Grant como Mock Turtle,
Gary Cooper como Cavaleiro Branco e
Edward Everett Horton como Chapeleiro Louco, mas foi um fracasso de bilheteira. Em Portugal, teve por título
«Alice no País das Fadas», idêntico ao que teria por cá o filme da Disney, na sua exibição original em 1951.
A animação seria, aliás, o passo seguinte de Alice: em 1949,
Dallas Bower realizaria uma versão em que uma Alice em imagem real entrava num País das Maravilhas em que todas as criaturas eram animadas em «stop-motion» pelo francês
Lou Bunin. O filme, pensado para estrear no mesmo dia do filme de Disney, teve um processo legal interposto pelo estúdio do rato Mickey, que ganhou, mas foi um fracasso estrepitoso de bilheteiras.
Apesar do que se possa hoje pensar, dado o seu lugar no imaginário colectivo,
a versão de Disney, estreada em 1951, também não foi um sucesso de bilheteira imediato, com o próprio Walt a assumir mais tarde que faltava alma à protagonista. Porém, esta versão em desenho animado, mesmo que americanizando e simplificando muito os temas de Carroll, ganhou o apreço popular não só pelo virtuosismo da sua animação como também pela loucura e quase psicadelismo das suas imagens. Na verdade, o filme foi recuperado nos anos 60 pelos estudantes universitários e pela geração «hippie», que lhe admiraram o surrealismo e o colocaram no panteão da Disney.
Em 1966, Jonathan Miller realizou uma versão televisiva singular e muito elogiada para BBC, em que, num cenário espartano e com actores vestidos de forma victoriana mas sem assumirem a pele de animais, leva a cabo aquela que é, segundo alguns especialistas, uma das versões mais interessantes do livro.
Michael Redgrave,
John Gielgud e
Peter Sellers são alguns dos actores.
Este último voltaria a integrar o elenco de outra versão da história,
uma grande produção de 1972 com nomes como
Michael Crawford,
Ralph Richardson e
Dudley Moore. Com excelentes efeitos visuais, a toada aqui é de musical, com uma banda sonora de
John Barry, mas o sucesso de bilheteira também não acompanhou esta nova tentativa, que resistiu mal à passagem do tempo.
Também musical mas de outra natureza é a versão que chegou aos ecrãs de cinema em 1976:
«Alice in Wonderland: an X-Rated Musical Sex Comedy», um filme pornográfico, da época de ouro do género, que também tinha comédia e música, produzido por Bill Osco, igualmente responsável pelo popular
«Flesh Gordon».
Para a televisão foram realizados dois telefilmes de grande orçamento e recheados de estrelas, um em 1985 para a CBS e o
outro já em 1999, produzido pela Hallmark Entertainment. Na memória de muitos, porém, ficou a série televisiva de animação co-produzida entre o Japão e a Alemanha, produzida em 1983 mas exibida em Portugal com muito sucesso a partir de 1987.
Mas ainda antes de
Tim Burton reler com a sua visão muito peculiar o universo de
Alice no País das Maravilhas, duas versões muito livres e especiais chegaram às telas de cinema. Uma delas, mais directa, chama-se simplesmente
«Alice» e é porventura o mais célebre filme do realizador checo
Jan Svankmajer. Dirigido em 1987, combina imagem real e animação de volumes, com um tom marcadamente surrealista e mesmo muito negro, com tesouras, pregos, lâminas e vidros partidos a constituírem matéria de reconstituição animada do universo de Carroll.
A segunda,
«Sonhos de Criança» («Dreamchild»), de 1985, constrói uma ficção a partir da própria figura real de Alice Lidell, a menina que teria inspirado Carroll a escrever o livro e seria o modelo da própria protagonista. A história passa-se nos anos 1930, com Alice já com uma idade avançada a viajar até aos EUA para ser homenageada no sequência das celebrações do centenário de Carroll. As alucinações que sofre durante a viagem, em que surgem as personagens imortalizadas no livro, confrontam-na com o peso das suas memórias de infância e da relação de amizade invulgar que manteve em tenra idade com Lewis Carroll. Escrito por
Dennis Potter e realizado por
Gavin Miller, foi um filme elogiado por todos os quadrantes e ainda hoje uma das meditações mais válidas sobre o fenómeno de «Alice no País das Maravilhas».
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