“Este não é um daqueles filmes de Hollywood. É mais modesto, mais...”, afirma Maria Roxo durante o filme. “Mais artesanal”, completa Renata Ferraz. "Rua dos Anjos", o filme que ambas vão produzindo e montando em frente às câmaras, conta a história de ambas. A premissa é simples: uma realizadora e uma prostituta ensinam o seu ofício uma à oura. O resultado é mais complexo: uma troca de experiências íntimas, que se desenrolam entre sombras e rendas, transparência e nudez; física, mas sobretudo emocional.

Maria Roxo nasceu em Moçambique, antes da Revolução dos Cravos, entrou na Faculdade de Medicina e praticou ballet clássico; viu a guerra colonial entrar-lhe país adentro, aprendeu a pegar numa arma, a matar e a cuidar dos feridos. A morfina apareceu-lhe para anestesiar a dor. Arrastada para Lisboa, a vida foi marcada por anos de toxicodependência e prostituição. Maria sabia que a sua vida dava um filme e por isso foi escrevendo-a em cadernos.

Renata Ferraz nasceu no Brasil e trabalha há mais de vinte anos como atriz. Começou há cerca de quatro anos o caminho de realizadora. Em Lisboa, mistura a paixão do cinema com a do teatro e cria um projeto para realizar um filme com alguém fora do plano artístico.

Rua dos Anjos

A curiosidade sobre o tema da prostituição surge há cerca de dez anos, quando Renata representa Sheila no filme "Estive em Lisboa e lembrei de Você", de José Barahona. Sheila trabalhava em casas de alterne e a atriz estava interessada em construir uma personagem mais próxima da realidade e menos romântica. “Eu posso imaginar”, diz Renata, durante "Rua dos Anjos". “A imaginação nunca chega à realidade”, responde Maria.

Quando Renata encontra Maria, soube que o que era uma ideia de um projeto podia materializar-se. Ao segundo encontro, Maria entregou-lhe um caderno com 90 páginas, escritas à mão sobre a sua vida. Aceitou o desafio de co-realizar um filme se este fosse sobre a sua vida. Maria, com uma personalidade genuína, ampla e flexível, consegue dizer uma piada ou fazer um strip e gingar na leveza e de seguida guiar temas profundos, íntimos com uma honestidade desarmante.

“Uma prostituta é uma atriz. Aliás, acho que a prostituta é a melhor atriz que existe no mundo”, Maria Roxo

Este diálogo constante entre observar e ser observado, mostrar e esconder vai sendo refletido na estética da obra. Num cenário muito simples, quase teatral, o filme vai-se desenrolando num misto de estética entre “Lars von trier e Brecht”, explica Renata Ferraz ao público, na estreia de "Rua dos Anjos", na passada quinta-feira no Cinema City Alvalade, em Lisboa.

A realizadora explica ainda que ideia de estúdio e de cenário controlado facilitaria o controle de imagem por alguém que não é formado em realização. Renata pensou em duas cadeiras e um vidro. Maria quis a cama e o candeeiro. “Não se faz um filme sobre prostituição sem uma cama”, terá dito Maria a Renata.

Rua dos Anjos

Há poucas cenas fora do estúdio e foi Maria que fez questão de as filmar. Estas, relativas ao seu passado de rua e prostituição, acabam por trazer mais uma camada de realidade ao filme.

“A promessa de abrir um espaço para reflexão e fruição de um tipo de se fazer cinema”, Renata Ferraz

"Rua dos Anjos" tem percorrido o circuito de festivais de cinema, estreou-se nos Estados Unidos, um teatro, como Maria sonhava. Depois, venceu o Prémio do Público no Queer Porto e esteve na competição nacional do IndieLisboa.

O filme “impossível de ser feito”, como foi dito a Renata, estreou-se ontem em várias salas de cinema comercial. Samara Azevedo, câmara e produtora do filme, esteve ontem presente na estreia de Alvalade. Conta que quando Renata lhe falou do filme achou a ideia demasiado rebuscada e reagiu — "Se não for eu e pegar nesta ideia, quem é que vai pegar nela?"

Há mais conversas marcadas para as próximas sessões:

Patrícia Rosa
Trabalhadora sexual, camerawoman, ativista, educadora e produtora cultural
29 de setembro
Cinema City Alvalade, 19h40

Pedro Florêncio
Realizador, professor e investigador na área do cinema
30 de setembro
Cinema Fernando Lopes, 21h00

Rita Alcaire (antropóloga) e Fernanda Belizário (socióloga)
2 de outubro
Casa do Cinema de Coimbra, 18h20

Gaya de Medeiros
Bailarina, coreógrafa e produtora
3 de outubro
Cinema City Alvalade, 19h40

Madalena Lobo Antunes
4 de outubro
Cinema City Alvalade, 19h40

TRAILER DE "RUA DOS ANJOS":