Passam hoje, 25 de agosto, 90 anos desde que Sean Connery nasceu na cidade de Edimburgo, aquela que lhe deu o sotaque escocês que nunca viria a perder.
Sobre ele escreveu-se num livro de cinema português: "Um dos (muitos) elogios que se podem fazer a Sean Connery é que foi James Bond e sobreviveu. À época, quando se mencionava o nome de Sean Connery, puxava-se logo do rótulo '007'. Hoje, o seu nome aparece associado a 'grande ator'. Não ficou confinado a uma só personagem, nem nunca ficará: como alguém notou, Sean Connery é 'maior do que todas as suas personagens'".
As palavras, de Eurico de Barros, são do início da década de 1990, quando continuava a ser associado a Bond, é verdade, mas também já era o vencedor de um Óscar, o pai de Indiana Jones, o comandante de um submarino nuclear soviético e o "Homem Mais Sexy Vivo" para a revista People: aos 60 anos, protagonizava filmes de ação e continuava a ser uma das estrelas mais bem pagas de Hollywood.
De uma família muito humilde, tendo abandonado a escola aos 13 anos e entrado para a Marinha aos 16, de onde saiu por causa de uma úlcera e se viu sem qualificações a saltar de emprego em emprego, Sean Connery tornou-se o escocês mais famoso em todo o mundo e a segunda maior "exportação" do país a seguir.
O momento da viragem aconteceu em 1953: entre uma proposta do Manchester United para se tornar futebolista profissional e uma competição de culturismo em que alguém mencionou que estavam a decorrer audições para figuração no musical "South Pacific", ponderou que a primeira carreira acabaria aos 30 anos e já tinha 23, decidindo tornar-se ator.
Nos primeiros anos teve papéis menores no teatro, televisão e cinema, até que chegou a sua primeira oportunidade com o melodrama "O Amor Que Roubei" em 1958, contracenando com Lana Turner.
Quatro anos mais tarde e após outros atores recusarem o projeto (Cary Grant, Rex Harrison, Patrick McGoohan, Richard Burton, James Mason, Rod Taylor, Richard Todd), uns por não lhe verem potencial, outros por não se quererem assinar contrato para vários filmes, surge "Agente Secreto 007".
A explosão como James Bond foi imediata e mundial, mas o realizador Terence Young foi determinante na construção dos alicerces para Sean Connery se tornar o que, para muitos fãs, se tornou a representação definitiva da criação do escritor Ian Fleming, ensinando o "embrutecido" escocês a vestir-se, andar e falar (até a comer, diria Lois Maxwell, a "Miss Moneypenny") e ao primeiro contacto com o mundo sofisticado em que se movia a personagem, o dos melhores restaurantes, hotéis de cinco estrelas ou casinos.
Os filmes seguintes, para muitos fãs os melhores, consolidaram a estrutura da saga até aos nossos dias: "007 - Ordem para Matar" (1963), mais conhecido mesmo no nosso país pelo original "From Russia with Love", também de Young e o preferido de Connery, e "007 - Contra Goldfinger" (1964).
Pelo meio, aproveitou a nova popularidade para trabalhar noutros projetos, às ordens de Alfred Hitchcock em "Marnie" (1964), e Sidney Lumet em "A Colina Maldita" (1965), o primeiro de seis filmes que fizeram juntos.
Para sempre sinónimo de Bond, apesar de todos os atores que lhe sucederam, a ironia, claro, é que o ator escocês não suportou durante muitos anos a personagem, que sentia não lhe permitir mostrar o seu valor como ator: ficaram célebres as declarações de que sempre o odiara e gostaria de matá-lo, e o desdém e cansaço notam-se em "007 - Operação Relâmpago" (1965) e principalmente em "007 - Só Se Vive Duas Vezes" (1967), durante a rodagem do qual foi anunciada a sua despedida da saga.
Sobreviver a Bond, James Bond
Sean Connery ainda regressou para "007 - Os Diamantes São Eternos" (1971), tentado pela oferta desesperada do estúdio após George Lazenby desistir de ser Bond, mas a independência financeira que a saga lhe deu lançam-no definitivamente para uma década de outros papéis com a missão de provar que era "mais do que Bond" e um ícone da masculinidade.
Surgem filmes como "O Dossier Anderson" (1971), "O Delito" (1973), "Zardoz" (1974) e "Um Crime no Expresso do Oriente" (1974), chegando à maturidade artística com "O Leão e o Vento" (1975), "O Homem Que Queria Ser Rei" (1975) e "A Flecha e a Rosa" (1976), onde surge como um envelhecido Robin dos Bosques ao lado de Audrey Hepburn como Lady Marian.
Deixando para trás as mágoas de "Meteoro" (1979), que descreveu como o pior filme da carreira, seguem-se na década seguinte "Outland - Atmosfera Zero" (1981), "Os Ladrões do Tempo" (1981), "O Homem das Lentes Mortais" (1982), "Duelo Imortal" (1986) e "O Nome da Rosa" (1986), além de um surpreendente regresso como James Bond num título não oficial da saga, apropriadamente intitulado "Nunca Mais Digas Nunca" (1983).
Um peso-pesado na indústria e já uma lenda viva, é com naturalidade que surge a aclamação do Óscar de Melhor Ator Secundário pelo papel de um polícia irlandês veterano em "Os Intocáveis" (1987), onde o seu carisma adicionava outra dimensão às cenas com Kevin Costner ou Andy Garcia na luta dos polícias incorruptíveis contra o império de Al Capone.
Após a glória da estatueta dourada e o confirmado estatuto de "grande ator", passeia talento e classe por "Indiana Jones e a Última Cruzada" (1989), "Caça ao Outubro Vermelho" (1990) e "A Casa da Rússia", antes de um famoso "cameo" como Ricardo, Coração de Leão, em "Robin Hood: O Príncipe dos Ladrões" (1991).
Seguiram-se ainda sucessos como "Sol Nascente" (1994), "O Rochedo" (1996) e "A Armadilha" (1999), elogios pela interpretação em "Descobrir Forrester" (2000) e até o título do "Homem Mais Sexy do Século" (1999) da revista People, mas começaram a somar-se de forma alarmante vários fracassos marcantes, tanto a nível comercial como artístico: "Os últimos Dias do Paraíso" (1992), "Causa Justa" (1995), "O Primeiro Cavaleiro" (1995) e "Os Vingadores" (1998).
A gota de água acabou por ser a produção problemática de "Liga de Cavalheiros Extraordinários" (2003), com vários conflitos de rodagem, bem como a sua falta qualidade, que o levaram à retirada artística. Após os grandes cineastas com quem trabalhou, diria mais tarde, cansara-se de lidar com "idiotas" e "miúdos a tentar decidir o que vão fazer a seguir".
Nem o prémio pela carreira do American Film Institute em 2006 ou a possibilidade de reencontrar Spielberg e Harrison Ford em "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal" (2008) o fizeram mudar de ideias: as aparições públicas foram-se tornando cada vez mais raras (a última foi no US Open em 2017) e com exceção de algumas fotografias partilhadas pela neta, Sean Connery tem gozado a reforma discretamente com a família nas Bahamas...
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