"São todos tão diferentes, todos os filmes da saga, não são? Acho que se voltarmos ao primeiro, é menos ficção científica e mais terror", defende Fede Álvarez numa mesa-redonda virtual com a imprensa que contou com a presença do SAPO Mag. E se o que foi não volta a ser, sobretudo numa saga na qual, para muitos admiradores, não há amor como o primeiro (embora o segundo se aproxime), isso não tem impedido a continuidade da mitologia de "Alien" no grande ecrã.
O filme que se estreia esta semana nas salas é já o sétimo dessa linhagem (descontando as aventuras paralelas com o Predador) e também aquele em que o regresso às origens da ameaça criada por Dan O'Bannon e Ronald Shusett é mais evidente - e assumido sem reservas. Por um lado, porque a ação decorre entre a de "Alien, O Oitavo Passageiro" (1979), de Ridley Scott, e "Aliens, o Reencontro Final" (1986), de James Cameron, os títulos inaugurais da saga de ficção científica. Por outro, porque Álvarez, que escreveu o argumento com o colaborador habitual Rodo Sayagues, se inspira diretamente na narrativa, estética e atmosfera desses capítulos especialmente aplaudidos.
"O Ridley [Scott] disse-me que estava a tentar fazer o 'Massacre no Texas' no espaço. Foi nessa altura que viu o filme [de Tobe Hooper, estrado em 1974] e se inspirou nele. E apercebeu-se de que podia fazer aquilo no espaço, o que, na altura, parecia uma tolice e uma loucura. Mas é isso que cria algo novo. É sempre a mistura de dois géneros que nunca foram misturados antes que cria um novo filme, normalmente", aponta.
O realizador considera, no entanto, que essa carga visceral nem sempre é devidamente valorizada. "Penso que, quando discutimos estes filmes, vamos para o lado mais sofisticado, o lado complexo que não compreendemos. Muitas vezes, com este franchise, as pessoas concentram-se demasiado nessa parte", nota. "Por isso, tentei abraçar também o lado mais simples e puro, o terror cinematográfico desses filmes e a simplicidade do medo da invasão de corpos", explica.
"O lado do slasher, no caso do primeiro filme, em que, uma a uma, as personagens são apanhadas por esta criatura. Acho que é mais simples do que pensamos, muitas vezes. Ninguém quer ser impregnado com criaturas que estão a chegar ao peito e que o usam como incubação. É uma das maiores e melhores ideias de ficção científica de terror que já existiu", acrescenta o uruguaio que tem feito um percurso no cinema de género através de filmes como o remake de "A Noite dos Mortos-Vivos" (2013) ou "Nem Respires" (2016).
"Todos os outros filmes da saga são como a Bíblia"
"É muito excitante ter toda esta mitologia por trás", confessa Fede Álvarez. "Quando se começa uma história, seja ela qual for, é preciso criar todo um passado, uma história de fundo. É preciso criar um universo. É preciso criar todas essas coisas para poder contar uma nova história. É ótimo quando, de certa forma, já foi feita por nós. Há toda esta história de fundo que não tens de criar. Já lá está. De certa forma, torna as coisas mais fáceis. Principalmente no meu caso, em que quero respeitá-la e tomá-la como um evangelho."
Do respeito à devoção vai um passo, ou não fosse o uruguaio um fã que tem direito a criar um novo capítulo da saga. "Para mim, todos os outros filmes são como a Bíblia a que tenho de voltar e ler e certificar-me de que sou fiel a essas histórias e que não traio nada do que esses filmes disseram no passado. Por isso, nunca foi um fardo. Foi sempre uma parte fascinante do processo. Para mim, como fã de extraterrestres, é excitante poder ter tudo isso e construir a partir daí", sublinha.
"Tenho muito respeito e admiração por esses realizadores: Ridley [Scott], James Cameron, David Fincher, Jean-Pierre Jeunet. Estão entre os meus realizadores preferidos. Eles ensinaram-me tudo o que sei sobre este filme."
O foco nos jovens e o apoio de um veterano
Um dos desafios a que o uruguaio se propôs foi tornar "Alien: Romulus" numa aventura que despertasse um entusiasmo comparável ao que sentiu ao descobrir a saga junto de uma nova geração. "Há muitas referências aos filmes, mas feitas de uma forma que, esperemos, se os espectadores não tiverem visto nenhum deles, não os faça sentir que saem a perder. É esse o objetivo deste filme: quero que uma pessoa de 20 anos ou um adolescente vá ver e que se divirta muito", conta.
Não por acaso, o elenco principal, liderado por Cailee Spaeny ("Priscilla") e David Jonsson ("Industry") ao lado de Archie Renaux ("Sombra e Ossos"), Isabela Merced ("Madame Web"), Spike Fearn ("Aftersun") e Aileen Wu (que se estreia aqui uma longa-metragem), é inteiramente jovem, um grande contraste com o de "Alien, O Oitavo Passageiro". A escolha foi validada por Ridley Scott, que assume aqui o papel de produtor executivo depois de ter regressado à saga em "Prometheus" (2012), filme que dividiu opiniões, e no muito desapontante "Alien Covenant" (2017).
"Ele foi o primeiro a ouvir a história que eu queria contar, a história de jovens que tentam fugir de uma colónia e a relação entre um humano e um sintético que se dizem irmãos, que acreditam ser irmãos, que cresceram juntos, e como o horror do filme vai pôr essa relação à prova. Foi o primeiro a ler o guião e a dar notas e ajuda para o melhorar. Foi o primeiro a ver a primeira versão do filme e ajudou-me a encontrar o ritmo certo e a dinâmica certa para a história", recorda, salientando que nem sempre foi uma relação serena. "Ambos somos pessoas bastante teimosas com pontos de vista muito fortes. Por isso, foi uma colaboração fascinante, porque normalmente é isso que se quer. Quer-se um produtor com um ponto de vista forte e um realizador com um ponto de vista forte que debatam e façam até encontrarem a verdade sobre o que deve estar no filme", esclarece.
Cailee Spaeny e David Jonsson, protagonistas para uma nova geração
Arrancando com um centro emocional mais forte do que outros títulos da saga antes de sujeitar o seu pequeno grupo de personagens a uma jornada assustadora, "Alien: Romulus" deve parte do impacto dramático à direção de atores, sobretudo através dos desempenhos de uma segura Cailee Spaeny (apesar de nunca fazer esquecer Sigourney Weaver, mulher ao leme da saga nos quatro primeiros filmes) e de um brilhante David Jonsson (a garantir um novo andróide memorável nesta mitologia). O ator britânico revelado na série "Industry" (Max) e no filme "Rye Lane", de Raine Allen-Miller (Disney+), impõe-se mesmo como principal motivo para espreitar esta aventura, a par da forma engenhosa como o realizador trabalha códigos de terror série B (apostando numa vertente artesanal que limita imagens geradas por computador ou outras técnicas de pós-produção, gesto refrescante face a muita concorrência blockbuster).
"Conheci a Cailee há alguns anos, ela leu para mim e deixou-me boquiaberto. Por isso, quando chegou a altura de fazer este filme, não tive dúvidas de que queria que fosse ela a interpretar a personagem. Nunca pensei em mais ninguém", revela Fede Álvarez a propósito de uma das novas esperanças do cinema americano, recentemente vista em "Guerra Civil", de Alex Garland, e "Priscilla", de Sofia Coppola.
"Assim que tive um guião, disseram-lhe e tive a sorte de ela ter dito que sim, que queria fazer o filme e que acreditou nele desde o primeiro dia. Metade da história está escrita nos olhos dela. Não preciso de a pôr a falar e a contar toda a história da sua vida. No início do filme, vemos a cara dela, vemos os olhos dela e vemos uma tristeza no canto dos olhos que nos diz muito do que ela passou nos primeiros anos da sua vida. Numa idade precoce, ela teve de estar por sua conta e teve de descobrir as coisas por si própria. Penso que isso é uma bênção para um realizador, quando os olhos do ator fazem todo o trabalho."
"Uso o vosso preconceito em meu proveito"
Já chegar ao ator perfeito para interpretar o andróide Andy não foi tão imediato, salienta. "Foi um processo longo porque não é fácil encontrar alguém com esse nível de talento, com a capacidade de interpretar os dois lados da personagem. Há uma grande transformação na sua personagem. É preciso alguém que consiga transmitir ambas as coisas. É preciso alguém que possa ser aquele gigante gentil no início, o bom irmão que é todo bondade e todo coração e completamente inocente, e depois precisa de ser capaz de interpretar a versão mais sombria dessa personagem, aquele que é um homem da empresa, aquele que precisa de seguir ordens e tem de ser implacável às vezes. Isso não é fácil. Muitas pessoas conseguem fazer uma coisa e não conseguem fazer a outra. Muitos atores são muito bons numa, mas não na outra e vice-versa. Achei que era isso. Demorou muito tempo a encontrá-lo e a encontrar o tipo que eu achava que era perfeito para ele", detalha.
"Tem havido uma boa percentagem de grandes personagens sintéticas nestes filmes, desde Ian Holm no primeiro, Lance Henriksen como Bishop, e todos eles são muito diferentes. Acho que a personagem do Andy funciona, e a história, penso eu, funciona por causa do preconceito do público. O público que sabe e assume que, porque ele ser um sintético, pode ser um tipo mau, pode acabar por fazer coisas más. É isso que realmente nos mantém lá. Eu uso isso a meu favor. Uso o vosso preconceito em meu proveito. Toda a gente chega com algumas expectativas do que ele pode ou não fazer na história. É isso que nos mantém atentos até ao fim. Ver se ele vai acabar por ser como a Asha no primeiro filme, ou se vai ser mais como o Bishop no terceiro. É disso que depende grande parte da tensão do filme", garante. E goste-se mais ou menos de "Alien: Romulus", dificilmente alguém dirá que Fede Álvarez não teve pontaria na altura de escolher o ator principal.
TRAILER DE "ALIEN: ROMULUS":
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