A primeira longa-metragem em língua inglesa de Pedro Almodóvar, "The Room Next Door", protagonizada por Tilda Swinton e Julianne Moore, ganhou o Leão de Ouro de Melhor Filme na 81ª edição do Festival de Cinema de Veneza, atribuído pelo júri presidido por Isabelle Huppert, que afirmou logo a abrir a sua intervenção que "o cinema está em grande forma".
Almodóvar disse que apesar do idioma, é um filme com um espírito espanhol, e, num comovido discurso, descreveu-o como uma obra sobre "uma mulher que agoniza num mundo agonizante e a mulher que decide partilhar com ela os seus últimos dias. Acompanhar um doente terminal, saber estar ao lado, às vezes sem dizer uma palavra, é uma das grandes qualidades que as pessoas têm".
O cineasta sublinhou que "o filme fala, entre outras coisas, não só solidariedade sem limites da personagem de Julianne Moore mas também da decisão da personagem de Tilda Swinton em terminar a sua vida quando esta só lhe oferece uma dor sem solução. Despedir-se deste mundo limpa e dignamente creio que é um direito fundamental de todo o ser humano. Não é um assunto político mas sim humano e é a partir da humanidade que o temos de o abordar, tendo os governos que articular as leis adequadas para que isto e possa levar a cabo. Sei que este direito atenta contra qualquer religião ou credo que tenha Deus como única fonte de vida, e portanto de terminar com ela. Eu pediria aos praticantes de qualquer credo que respeitem e não intervenham em decisões individuais a esse respeito. O ser humano deve ser livre para viver e para morrer quando a vida se torna insuportável".
Numa cerimónia cheia de mensagens sobre o conflito no Médio Oriente, quase sempre de denúncia da atual política de guerra de Israel, "Vermiglio", da italiano Maura Delpero, ganhou o Grande Prémio do Júri, o Leão de Prata, num filme sobre a chegada a uma remota cidadezinha italiana de um desertor durante o período final da Segunda Guerra Mundial.
Brady Corbet arrebatou o galardão de Melhor Realização por "The Brutalist", um dos grandes casos do festival, que ao longo de três horas e meia e em 70 mm percorre trinta anos da vida de László Tóth, que sobreviveu ao Holocausto, interpretado por Adrien Brody. O drama georgiano "April", de Déa Kulumbegashvili, sobre o aborto, proibido no país, ganhou o Prémio Especial do Júri.
Nicole Kidman ganhou o troféu de Melhor Atriz por "Babygirl", de Halina Reijn, que leu uma mensagem sentida da atriz, ausente da cerimónia devido à morte recente da mãe, e Vincent Lindon, que foi cumprimentar pessoalmente todos o membros do júri e agradeceu quatro vezes à sua presidente, arrebatou o prémio de Melhor Ator por "Jouer avec le Feu" das irmãs Delphine e Muriel Coulin, em que interpreta o pai de dois filhos, com o mais velho a aproximar-se de forma preocupante da extrema direita.
Os brasileiros Murilo Hauser e Heitor Lorega conquistaram o prémio de Melhor Argumento por "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, sobre o desaparecimento de Rubens Paiva durante a ditadura militar, e disseram em português "E viva o cinema brasileiro".
Paul Kircher, filho de Irène Jacob, recebeu o prémio Marcello Mastroianni para Melhor Jovem Intérprete, pelo filme francês "Leurs Enfants Après Eux", dos irmãos gémeos Ludovic Boukherma e Zoran Boukherma.
Roménia e EUA em destaque na secção Horizontes
Na secção paralela Horizontes, dedicada às novas tendências do cinema, o romeno "The New Year That Never Came", de Bogan Muresanu, sobre a revolução romena, ganhou o prémio de Melhor Filme, e "Familiar Touch", sobre as vivências de uma mulher numa casa de repouso, valeu a Sarah Friedland os troféus de Melhor Realização e o Leão do Futuro para uma Primeira Obra, e a Kathleen Chalfant o prémio de Melhor Atriz.
O turco "One of Those Days When Hemme Dies", de Murat Fıratoğlu, ganhou o Prémio Especial do Júri, e Francesco Gheghi, muito comovido, conquistou o prémio de Melhor Ator pelo italiano "Familia". "Happy Holidays" conquistou para o seu realizador Scandar Copti o prémio de Melhor Argumento, "Who Loves the Sun", de Arsenal Shakiba, sobre a guerra civil na Síria, ganhou o troféu de Melhor Curta-Metragem, e "Shahed" de Nader Saeivar ganhou o Prémio do Publico
Dedicada aos clássicos do cinema, a secção Venice Classics atribuiu o troféu de Melhor Restauro a "Ecce Bombo" (1978), de Nanni Moretti (que agradeceu o galardão mas ironizou ser um pouco exagerado tendo em conta que estavam na corrida filmes de Fritz Lang, Howard Hawks ou Michelangelo Antonioni) e o de Melhor Documentário sobre Cinema a "Chain Reactions", de Alexander Philippe, sobre "O Massacre no Texas", de Tobe Hooper, de 1974.
Na secção Venice Immersive, dedicado aos filmes em realidade aumentada, "Ito Meikyu", de Boris Labbe, conquistou o Grande Prémio, "Oto’s Planet", de Gwenael Francois, o Prémio Especial do Júri, e "Impulse: Playing With Reality", de May Abdalla e Barry Gene Murphy, o chamado Achievement Prize.
A 81ª edição do Festival de Cinema de Veneza arrancou a 27 de agosto e teve uma das seleções de filmes mais elogiadas dos últimos anos. O júri internacional foi presidido Isabelle Huppert e contou com a atriaz Zhang Ziyi e os cineastas James Gray, Andrew Haigh, Agnieszka Holland, Kleber Mendonça Filho, Abderrahmane Sissako, Giuseppe Tornatore e Julia von Heinz. Foram apresentados fora de competição filmes como "Beetlejuice Beetlejuice", de Tim Burton, "Wolfs", de Jon Watts ou "Finalement", de Claude Lelouch. Sigourney Weaver e Peter Weir ganharam o Leão de Ouro de carreira.
Comentários