
Não é mais um filme sobre uma saga de super-heróis nem anda pelo espaço: conta apenas a história de uma família que vive literalmente em silêncio, ameaçada por misteriosas criaturas que, como diz a campanha de marketing, "se te ouvem, caçam-te."
Com um conceito original e apenas 90 minutos de duração, "Um Lugar Silencioso" chega aos cinemas portugueses já com a reputação de ser um dos filmes mais aclamados do ano e um dos seus mais surpreendentes sucessos de bilheteira.
Realizado por John Krasinski, que também surge à frente das câmaras com a esposa Emily Blunt, excedeu as expectativas e quase triplicou o valor do orçamento (17 milhões de dólares) no fim de semana de estreia (50 milhões) de 6 de abril. A comparação é simples: os dois filmes anteriores que o ator tinha dirigido, "Brief Interviews With Hideous Men" e "The Hollars", arrecadaram um milhão de dólares no total antes de saírem dos cinemas.
Rodeado dos elogios de Ryan Reynolds, Chris Pratt, LeBron James ou do mestre de terror Stephen King, o impacto chegou ao ponto de ser agora o título mais rentável desde "Star Trek: Além do Universo" no verão de 2016 para um estúdio, a Paramount, que estava em grandes dificuldades para encontrar sucessos capazes de competir com os de rivais como a Disney ou Universal. E que naturalmente se prepara para rentabilizar o sucesso numa já anunciada sequela.
A grande ironia é que tudo foi possível graças à influência e poder do realizador e produtor dos filmes mais "barulhentos" de Hollywood.
Além de uma inspirada campanha de marketing assente num sugestivo trailer que destacava os elementos originais da história e tornava claro que a personagem feminina era uma das principais protagonistas, o segredo do sucesso de "Um Lugar Silencioso" começou pelas reações muito positivas dos críticos após a exibição na convenção South by Southwest no início de março, que fizeram disparar as referências nas redes sociais.
Quando um filme custa tão pouco (para os padrões de uma indústria que agora gasta mais de 100 milhões), torna-se menor a pressão para ter ingredientes que o façam chegar a um público mais vasto, mas foi mesmo isso que aconteceu.
"Transcendeu qualquer género. Embora possa ter sido percecionado como um filme de terror, não se chega a estes números sem ser sobre a história. O filme tornou-se todas as coisas para todas as pessoas: estabeleceu uma relação com a necessidade primitiva de proteger a família em tempos perigosos", recordou logo após a surpreendente estreia nos EUA o principal responsável pela distribuição da Paramount.

O argumento é de Bryan Woods e Scott Beck, dois jovens realizadores do circuito "indie" numa encruzilhada após o seu filme de estreia, "Nightlight", ter sido lançado em poucas salas sem causar qualquer impacto que se visse.
Como recordaram num depoimento ao IndieWire, desmotivados com o sucedido, começaram a pensar em ideias que pudessem ser concretizadas com pouco dinheiro, tomando como inspiração as carreiras dos seus heróis, principalmente M. Night Shyamalan. E regressaram a um conceito que tinham imaginado ainda na universidade, quando ficaram obcecados pelo cinema mudo de Charlie Chaplin, F.W. Murnau, Buster Keaton e Jacques Tati, cineastas que não precisavam de palavras para criar personagens, emoções e ações.
O que resultaria de pegar nessas técnicas visuais silenciosas do início do século XX e aplicá-las no contexto de um género de cinema moderno, através de duas pessoas que cresceram a ver "doses saudáveis de 'Alien', 'Tubarão' e dezenas de filmes de Hitchcock"?
O conceito de 15 páginas surgiu rapidamente e incluía já os principais elementos que estão no filme. Seguiu-se um argumento, cuja primeira versão tinha 67 páginas e apenas uma frase de diálogo. O que era difícil de vender: um executivo de um estúdio rejeitou o projeto sem sequer ler o argumento após lhe explicarem o conceito durante um almoço.
Já a anteciparem o falhanço, os dois começaram a pensar em filmar "Um Lugar Silencioso" por "tuta e meia" numa quinta no Iowa, mas o seu agente quis dar uma oportunidade ao argumento dentro da indústria.
E aqui começa uma daquelas histórias "à Hollywood": o argumento foi enviado à produtora Platinum Dunes e uma semana mais tarde, um dos seus responsáveis entrava no projeto como produtor e telefonava ao principal responsável da Paramount para lhe dizer que tinham de fazer o filme.
O seu nome era Michael Bay, o responsável por "Armageddon" e a saga "Transformers", alguns dos maiores e mais barulhentos "blockbusters" de Hollywood.
Alguns dias mais tarde, o estúdio comprava o argumento e, para surpresa de Bryan Woods e Scott Beck, não queria alterar tudo: "Mergulhámos numa reescrita baseada nas notas do estúdio, que eram a antítese da forma de pensar de um grupo corporativo: queriam preservar a génese do estranho argumento. Tornou-se evidente que a Paramount estava a tratar este projeto com atenção. E quando pensávamos que esta jornada não podia ficar mais maluca, recebemos outro telefonema do nosso agente, mesmo antes do dia da eleição [presidencial] de [novembro] 2016. 'Rapazes, o John Krasinski leu o argumento e adorou. Deu-o à Emily Blunt e ela passou-se. Ambos querem entrar e John quer realizar. [...] A Paramount está a agendar a estreia para abril de 2018'"...
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