A Despedida
A HISTÓRIA: Bili, nascida na China e criada nos Estados Unidos, regressa relutantemente a Changchun para enfrentar uma verdade dura que se torna, rapidamente numa mentira. A sua adorada avó Nai Nai tem poucas semanas de vida, mas toda a família decidiu em conjunto não contar nada à própria.
Crítica: Daniel Antero
"A Despedida" podia ser uma batalha emocional, com a implosão de uma família a decorrer à nossa frente, desgastados por uma ação de moral ambígua. Mas repleto de humanismo, melancolia e alegria, é uma celebração e uma azáfama de descoberta sentimental e cultural.
Argumentando que cada indivíduo é um órgão vital de um ser vivo ainda maior, a família da matriarca Nai Nai (Zhao Shuzhen) segue o costume chinês de não a informar de que terá pouco tempo para viver. Escondendo a angústia e a dor, acreditam ter a atitude mais altruísta, de forma a libertá-la do medo e das energias negativas que poderão acelerar a sua doença.
Realizado com contenção e confiança, "A Despedida" tem o seu equilíbrio tonal entre o drama trágico e a comédia "indie". Não esquecendo o lado mais subversivo desta omissão em curso, Wang aponta-nos para o subtexto, criando camadas de interpretação. Sobrepõe conversas a ações, jogando com a nossa intuição, pois há sempre algo a acontecer no "background", acrescentando comentário ao que está a ser dito.
A química entre os atores é única. A maior parte das cenas acontecem à volta de uma mesa, em plena refeição, ou noutras situações quotidianas de lides da casa. Intercalando o seu registo preciso de composição de quadro com movimentos de câmara e perspetivas muito próprias dos vídeos caseiros, esta família convence-nos da naturalidade e traz-nos honestidade, empatia e autenticidade.
O avatar da realizadora Lulu Wang é Bili (Awkwafina), que vive uma jornada através do luto antecipado, assumindo o nosso papel de espanto e curiosidade. Ela faz parte deste mundo e é "outsider" ao mesmo tempo: como ocidental, é assaltada pelas nossas dúvidas e questões éticas, acabando por nos mostrar que não precisamos de nos sentir tão desconfortáveis; como oriental, torna-se ela também parte do costume, enquanto busca respostas para adequar o seu comportamento, compreendendo as dinâmicas e o papel de cada membro da família neste embuste.
Tornando-se a primeira atriz de descendência asiática a vencer o Globo para Melhor Actriz em Comédia ou Musical, Awkwafina aborda este papel com amplitude emocional, demonstrando tanto desorientação e repressão de impulsos, como ternura e deleite no olhar que acompanha a avó Nai Nai, o motor vivaço e jovial desta história.
Compreensiva, sapiente e amorosa, a atriz Zhao Shuzhen é a ideia idílica e nostálgica que temos de uma avó. Poço de alento e determinação, com vontade de celebrar o exagero, motivando a sua família para a festa, não olha a gastos e está sempre a encher o prato de todos. Ela leva esta comédia de enganos à nossa derradeira dúvida: saberá ela o seu diagnóstico e optou por não contar aos seus?
Após "A Despedida", o gesto mais provável a fazer será telefonar ou ir a correr abraçar a avó. Pungente, genuíno e universal, é de tal forma carinhoso que se sente que se está a ser abraçado...
"A Despedida": nos cinemas a 9 de janeiro.
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