Espaço … a última fronteira. Para Roy McBride (Brad Pitt) é o vacuo que o separa do seu pai, o lendário astronauta Clifford McBride (Tommy Lee Jones). Determinado a resgatá-lo nos confins do Sistema Solar, Roy parte numa odisseia pelo mais inóspito dos ambientes.

Eis o ponto de partida para o mais recente filme de James Gray, que é uma espécie de fenómeno de nicho: um realizador que nunca conheceu o carinho no meio mais alargado, mas é invejavelmente “venerado” pelos cinéfilos mais ferrenhos, à conta de "Viver e Morrer em Little Odessa", "Nas Teias da Corrupção", "Nós Controlamos a Noite", "Duplo Amor", "A Emigrante" e "A Cidade Perdida de Z".

Tudo deriva de um método de condensação de um cinema não seu, possivelmente vencido pelo tempo equiparado com um senso referencial de requinte: ver cinema de James Gray é o mesmo que olhar para uma peça de museu, o de experienciar a História morta, intocável e preservada do resto do mundo (hostil, diga-se de passagem) num derradeiro reduto.

Com “Ad Astra”, do latim “para as estrelas”, encontramos a mais apropriada auto-analogia da sua cinematografia. Aqui, devido à isolação no espaço, o Homem concebe salas sensoriais para medicar o espírito e a psicologia do respetivo “paciente”, apelidadas de zonas de conforto. Para esses cinéfilos, Gray é uma autêntica sala de conforto, um instrumento para acalmar os desejos cinéfilos numa altura em que a indústria verga por caminhos duvidosos.

Não queremos com isto menosprezar a capacidade de Gray: ele tem ideias de cinema e isso é evidenciado, ocasionalmente, nas suas obras, assim como em “Ad Astra” - basta mirar uma sequência inicial por entre reflexo e luscos-fuscos e uma perseguição “à lá” "Mad Max" lunar que irão fazer as delícias dos olhares mais tecnicistas (muito comparável à admirável sequência com os carros em “Nós Controlamos a Noite”).

Contudo, um dos grandes problemas de "Ad Astra", como em muitos filmes de Gray, encontra-se na sua construção narrativa, que não ostenta fluidez devido à inseminação cinéfilo-memorativa do seu realizador. Sentimo-nos presos por um argumento cercado pelos mais preguiçosos lugares-comuns da era espacial, desde a busca por alguém/algo nos confins do espaço, pelas interrogações ao divino (para um filme entranhado na ciência é demasiado teológico) e até temos epifanias interestrelares.

Por entre outros ensaios mais ou menos interessantes como “2001: Uma Odisseia no Espaço”, “Solaris”, “O Enigma do Horizonte” (que Gray nunca assumirá como referência devido ao preconceito), “Gravidade” ou “Interstellar”, este “Ad Astra” vem preencher lugar nenhum na inovação do subgénero.

Seja como for, devemos afirmar que o cinema nem sempre tem de superar ou auto-superar-se, assim como “Ad Astra” remexe num conto de emancipação pessoal através de um relacionamento distanciado (a anos-luz) entre pai e filho. Como produção individual, Gray oferece-nos um relato austero, forçado na evidência (aquela voz-off com contornos "malickianos" não atrasa nem adianta). Mesmo o universo que constrói, sabendo com antecedência que vamos sondar unicamente a personagem de Brad Pitt, parece despreparado na sua própria concepção.

O que acontece é que o realizador tem uma folha de encargos, prometeu-nos entregar um “Apocalypse Now” entre galáxias e é nisso pelo qual enverga, parando pelo caminho para admirar as estrelas da sua própria constelação. A vastidão deste seu mundo (nosso e os outros) não cabe nas suas mãos, nem na sua imaginação. A sua pequenez é por fim revelada, disfarçada pela força dos efeitos visuais e da banda sonora (tão previsível neste caso) da autoria de Max Ritcher, revelando-se num exercício de virtuosismo e de expressividade emocional ausente (temos em consideração que o "Ad Astra" é orquestrado por dois atores de prestígio do chamado “underacting”, Brad Pitt e Tommy Lee Jones).

Queríamos uma odisseia pelo infinito e obtivemos uma quimera a cru. E é pena, porque as poucas vezes em que testemunhamos uma “capitalização espacial” (os voos comerciais para a Lua e o devido satélite preenchido pelos franchises terráqueos), sentimos uma pequena dose de felicidade. Este é o caminho certo, uma crítica da nossa natureza humana com localização além-fronteiras.

"Ad Astra": nos cinemas a 19 de setembro.

Crítica: Hugo Gomes

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