A HISTÓRIA: Rachel Stone é uma agente secreta e a única pessoa capaz de evitar que a poderosa organização global de manutenção da paz que serve perca o seu mais valioso, e perigoso, ativo: O Coração.

"Agente Stone": disponível na Netflix a partir de 11 de agosto.


Crítica: Francisco Quintas

Quando se aventurava em realidades distópicas ou futuristas, a ficção científica das décadas 1980 e 1990 chegou a imaginar perigos globais e debates éticos resultantes de uma ideia, abstrata ou concreta, de Inteligência Artificial (IA). Tanto os clones do ser humano em “Blade Runner” (1982) como o regime autoritário assente num sistema virtual em “The Matrix” (1999) encaixam-se nesse perfil.

Contudo, em contraste com a verosimilhança de algumas invenções, tais premissas beneficiavam da longínqua estrada para o futuro. Atualmente, nos mais variados setores de atividade, os Novos Anos 20 conhecem o derradeiro advento da IA.

Por conseguinte, também o cinema de ação encarou esta moderna conquista do Homem como um dispositivo facilitador de missões de espionagem ou um evidente antagonismo internacional. Embora filmes como o mais recente “Missão: Impossível” expressarem uma visão sociopolítica complexa, “Agente Stone” existe numa prateleira de entretenimento formatado e vazio, memorável durante não mais do que uma semana.

Numa altura em que os principais ramos de Hollywood (atores e argumentistas) se encontram suspensos por greves, devido, em parte, às temidas possibilidades da IA, que poderão, alegadamente, resultar em desemprego, “Agente Stone” parece o resultado de um motor de busca a quem foi encomendada uma história de espionagem.

Neste caso, a IA não passa de uma fonte rebuscada de informação – a palavra mágica “algoritmo” condiz com qualquer situação –, e manipuladora de operações, agências, indivíduos e mercados, uma arma que todos querem manusear. Para o impedir, seguem-se uma protagonista sem personalidade e uma sucessão de eventos ilógica, embelezada por efeitos visuais notáveis e uma tela verde risível.

Prevendo que pendure as vestes da Mulher-Maravilha nos anos vindouros, é admirável a ambição de Gal Gadot em se tornar uma estrela de ação de referência. Fisicamente falando, já se provou bastante capaz, mas não deixa de prestar um trabalho de atriz limitadíssimo.

Para desfortalecer um elenco de personagens sem surpresas ou histórias de fundo, os rostos secundários vão pouco além do arquétipo: Jamie Dornan, um ator que os estúdios continuam a desclassificar; Matthias Schweighöfer, cada vez mais popular, mas raramente livre do rótulo de alívio cómico; os insípidos Sophie Okonedo e BD Wong; e uma atriz veterana nomeada para vários Óscares, numa participação bizarra de tão irrelevante que a produção manteve em segredo.

Escrito, em parte, por Greg Rucka, por detrás de “A Velha Guarda” (2020), outro produto da Netflix igualmente esquecível, “Agente Stone” pretende hastear a bandeira de “ação feminina” deste verão. É de lamentar que muitos guionistas se esqueçam de que, para fazer jus a essa necessidade de Hollywood, não basta escrever uma líder hábil para acrobacias e armamento. Uma mulher forte é mais que um sorriso bonito e uma cara de má.

O realizador Tom Harper tinha a ingrata tarefa de extrair as virtudes de um guião medíocre. Porém, contentou-se com uma competente orquestra de veículos e a coreografia das sequências de ação, bem fotografadas e montadas, as poucas fontes de diversão. Entre elas, a fuga pelas estreitas e inclinadas ruas de Lisboa. Neste campo, havia pouco onde falhar.

A julgar pela sua banalidade, é bastante irónico que um genérico filme de ação concentre personagens em confronto com a IA quando mais parece que a sua espinha dorsal, que não aquece nem arrefece, foi concebida por um computador.