Farming
A HISTÓRIA: A história real de Enitan, um jovem rapaz nigeriano, enviado pelos seus pais para uma família britânica na esperança de lhe conseguirem proporcionar um futuro mais promissor. Ao invés, Enitan torna-se um líder temido gangue de skinheads brancos da Inglaterra dos anos 80.
"Farming": nos cinemas a 1 de outubro.
Crítica: Daniel Antero
Interpretando o seu pai, usando a sua casa de infância como cenário, integrando músicas suas como dispositivos para narrar os eventos do filme, o ator britânico Adewale Akinnuoye-Agbaje (da série "Lost" e "Esquadrão Suicida") faz a sua estreia na realização com “Farming”, uma história catártica no seu processo de execução, bruta e algo sensacionalista na sua forma final.
Decorria a década de 1960 e em Inglaterra surgia no seio da comunidade nigeriana o “farming”, uma prática onde casais que tentavam estudar ou trabalhar para angariar dinheiro e mais tarde retornar à Nigéria, pagavam a famílias britânicas brancas para acolherem os seus filhos.
Adewale Akinnuoye-Agbaje foi um produto dessa geração e baseia o seu filme nas suas experiências de criança e adolescente, quando foi adotado por uma família branca de Essex, uma das cidades onde o sentimento anti-imigração era mais forte.
Enitan (Damson Idris) é o alter-ego de Adewale, um jovem que desenvolve uma crise de identidade fraturante, enquanto sofre micro-agressões racistas em casa, por parte de Ingrid, a sua mãe adotiva (Kate Beckinsale), e é alvo de "bullying" tortuoso na rua por um bando de skinheads.
Fechado no seu mundo, quase sempre mudo, descrente na sociedade, não tem onde se recolher. Nem mesmo quando é suportado e alertado pela professora Ms.Dapo (Gugu Mbatha-Raw) ou visita a terra-natal dos seus pais e volta de lá com mais do que cicatrizes psicológicas.
Até que algo o quebra e volta a unir, quando Levi (John Dalgleish), o líder dos "Tilbury Skins", o pinta de branco com spray e lhe evoca uma memória traumática: em menino, esfregou-se com pó-talco para esconder o seu tom de pele. Ele queria ser branco, eles “querem-no” branco.
A partir daqui, Adewale Akinnuoye-Agbaje pauta a viagem inesperada de Enitan, onde este passa de vítima a mascote e de mascote a líder dos "Tilbury Skins", numa rotina de sofrimento individual com pouco eco no prisma mais abrangente da sociedade.
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Como Adewale tem mesmo “Farming” marcado na pele, não consegue ter distanciamento para tornar o seu filme em algo mais do que cenas de lutas, humilhações, tortura psicológica e física. Um ritmo de montagem inconsistente, a insistência na presença da estrela Kate Beckisanle e uma direção que relembram algumas telenovelas televisivas britânicas, mantêm este projeto superficial.
Bruto, não se concentra na psicologia distorcida do auto-desprezo de Enitan, para se focar na sua valentia. Sem voz, perde também a oportunidade de criar um paralelismo com o Brexit dos dias de hoje, gastando o seu tempo no sadismo de Levi, figura que representa a ideologia fascista, e nas palavras abusadoras de Ingrid, que denotam o racismo sistémico presente.
Entende-se que tipo de força de exorcização move este projeto íntimo, pessoal, que termina com a saída de Enitan daquela tribo prejudicial e avança por uma redentora evolução, terminando numa foto de Adewale a receber o diploma do curso de Direito das mãos de um membro da Família Real.
Enquanto narrativa de um homem, “Farming” é de ver para questionar esta fase da história social britânica e o crescimento de Enitan/Adewale. Mas como obra de um artista, fica aquém da sua premissa e gravidade.
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