Se acha que ​Nicolas Cage se perdeu para o cinema, algures nos devaneios da sua mente… na verdade, ele só precisava do enquadramento certo, feito pelo realizador certo... e de um machado forjado a fogo, saído de uma poderosa história de "Dungeons & Dragons". E uma moto-serra. E um x-acto, um x-acto também serve.

E tudo isso acontece em ​"Mandy", o novo filme de ​Panos Cosmatos​.

Estamos no ano de 1983 e Red Miller (Cage) vive o seu pedaço de céu hipnótico lado a lado com Mandy Bloom (​Andrea Riseborough​). Um dia, Mandy captura o olhar do líder de um culto, que perdido pela aura fantasiosa desta maga da floresta, decide invocar os Black Skulls, um grupo de motoqueiros com o cérebro frito de LSD, para a raptar. Mas o ritual de Jeremiah Sand (​Linus Roache​) vai longe demais e acabam por matar Mandy. Aí, a selvajaria e vingança de Miller começa…

Se ​Panos Cosmatos ​caminhou num registo Cronenberg em ​"Beyond the Black Rainbow" (2010), neste novo filme ultra violento são três os capítulos e influências distintas que podemos absorver.

"Shadow Mountains" é uma espécie de "prog-rock" e "heavy psych" enleado, onde o amor de Mandy e Red se vai sobrepondo a tudo, como figuras únicas num cenário de Moebius.

"Children of the New Dawn" é "occult rock" com ainda piores drogas. Um estado de alucinação e neblina de onde se ergue Jeremiah Sand, perdido num fascínio por Jesus Cristo e orgias...pronto a tirar a Red Miller do seu estado de perfeição.

Já o terceiro capítulo, de nome "​Mandy"​, é-nos apresentado como um logotipo de uma banda de black metal. A debitar "blast beats" de violência, Miller desce e volta do inferno, pintado ​como uma fusão das ilustrações de Frank Frazetta com pinturas de Turner, narradas por um Jodorowsky enraivecido.

A linha contínua que une estes três capítulos é a banda sonora do malogrado ​Jóhann Jóhannsson​. "Cool", assustadora e viciante no seu "retro-wave" onírico e religioso, adensada pelas guitarras ​drone de Stephen O’Malley dos Sun O ))).

Tudo isto envolve um "stand-alone show" de Nicolas Cage. Se Andrea Riseborough é aveludada e subtil na forma como flutua nesta história, Cage ​está mais Cage que nunca, numa atitude "over the top"... não há limite.

Pois agora percebemos: é Cage que estabelece o limite. Dor, raiva, silêncio e humor inesperado, numa sequência de plano fixo, onde Cage exorciza o diabo em cuecas e lava as feridas de garrafa de vodka na mão, é o exemplo. Outro, é a displicência com que Cage acende um cigarro. Ver para crer. Sujeito a queimar-se, o rapaz.

E ainda há tempo para este canalizar Bruce Lee, Dutch ou Mad Max, não fosse ele encaminhado para a sua contenda por​ Bill Duke​, que qual mensageiro da desgraça, lhe indica como desancar os Black Skulls - à moda dos anos 80.

E aqui está a virtude do filme. Podia ser "kitsch" ou pretensioso, mas sente-se uma paixão e seriedade tal que é difícil ficarmos inertes ao "gore" e violência absurda de Panos Cosmatos, não fosse ele filho de George P. Cosmatos, realizador de "Rambo II" e "Cobra".

Pois ele viu tudo o que de bom e mau os anos 80 nos trouxeram...e  embrulhou-o da melhor forma ao som de música mexicana e "catch phrases" como: "You ripped my shirt!! You ripped my shirt!"! A sério, não rasguem a t-shirt ao homem.

"Mandy" é um "guilty pleasure" deste ano. Vá ver, não seja um “vicious snowflake”.

"Mandy": nos cinemas a 27 de setembro.

Crítica: Daniel Antero

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