A HISTÓRIA: Hutch Mansell é um pai e marido negligenciado que tudo aceita, sem nunca reclamar. Ele não é ninguém. Numa noite, dois ladrões invadem a sua casa e ele recusa defender-se a si e à sua família, na esperança de evitar uma escalada de violência. O filho adolescente, Blake, fica desiludido com o pai e a sua mulher, Becca, parece afastar-se cada vez mais dele. Após o assalto, a fúria de Hutch desencadeia instintos adormecidos, levando-o por um caminho que irá trazer à tona segredos mais sombrios e capacidades mortíferas.

"Ninguém": nos cinemas a partir de 27 de maio.


Crítica: Daniel Antero

Hutch Mansell é um trabalhador normal, pai de família aborrecido, desinspirado, quase derrotado pela monotonia da sua vida suburbana. Até que dois assaltantes invadem a sua casa e o seu mundo vira do avesso, revelando em si uma raiva reprimida, um passado violento e um desejo de anarquia.

Esta premissa banal é conhecida. Desde os anos 70 que a fórmula de filmes-vingança a recicla e a mais recente "dad-exploitation" à moda de Liam Neeson a esmifra. Quase sempre com um propósito altruísta para com a sociedade ou com um espírito e necessidade de salvação, ou segue a via da catarse de uma vida adormecida ou a via do despertar de um justiceiro solitário que irá limpar a escumalha das ruas.

"Ninguém", com o inesperado Bob Odenkirk no papel principal, mais conhecido como o Saul das séries "Better Call Saul" e "Breaking Bad", junta e deturpa esses princípios, trazendo-nos algo que não é novo, mas é maliciosamente refrescante: aqui há uma vontade intrínseca de esmurrar e de ser esmurrado, numa atitude niilista extremada pelo seu protagonista.

Realizado por Ilya Naishuller, que estreou o frenético "Hardcore" ("Hardcore Henry") em 2015, "Ninguém" não se esconde e assume a sua intenção sem receios: acção completamente exagerada numa história que só existe para criar pretextos para mais violência.

Exagerado, mas muito "são" no seu lunatismo, é um filme em modo videojogo, onde o protagonista avança de combate em combate, aumentando as suas "skills", preparando-se para o "boss" final. Alguns destes combates, como uma sequência visceral dentro de um autocarro, são delirantes, e Odenkirk como homem comum não podia ter sido melhor escolha! A sua imperfeição como lutador resiliente, agastado, mas sempre pronto para mais um assalto, tanto nos atiça para a porrada como desperta gargalhadas.

Há uma alegria maníaca neste filme escrito por Derek Kolstad (que também escreveu "John Wick"), que despojado de seriedade, anda sempre em busca de mais violência caricatural. Que culmina numa epílogo com Hutch/Odenkirk em modo "Sozinho em Casa", lado a lado com dois cúmplices que vale a pena descobrir, a semear destruição com recurso aos mais inusitados materiais que um armazém de ferragens pode ter.

Para a velha guarda com saudades de um bom filme de acção, "Ninguém" pode ser previsível, mas é um gozo do caraças.