A HISTÓRIA: Num dia qualquer em 1988, Dae-su, um homem de negócios casado e com uma filha, é raptado e aprisionado num quarto de hotel sem qualquer explicação. 15 anos depois é libertado, é-lhe dado dinheiro, um telemóvel e um fato novo. Desorientado, ele luta para descobrir porque foi preso e procura vingança. No entanto, o seu raptor ainda tem planos para ele. Mas à medida que o derradeiro confronto se aproxima, Dae-soo descobre um segredo terrível...

"Oldboy - Velho Amigo": reposição nos cinemas a partir de 25 de novembro.


Crítica: Hugo Gomes

“Ri, e o mundo rirá contigo. Chora, e o mundo chorará contigo”. Foi com este provérbio que Dae-su (Choi Min-sik) sentiu-se acompanhado durante o seu misterioso enclausuramento durante 15 anos, sem nunca conhecer o local onde estava, o seu raptor e mesmo o motivo deste seu longo cativeiro. Esta frase, estampada num misterioso quadro, um dos poucos ornamentos de um apertado quarto que se transformaria, em quase mais de uma década, no seu mundo possível, tornou-se num hábito religioso e incentivo para uma vingança por concretizar.

Durante esta prisão, Dae-su treinou corpo e mente para um eventual encontro, um encontro que o próprio terá que “jogar”. Assumindo nova identidade, visto que perdera a sua mulher e filha durante a ausência, Dae-su cria uma ligação afetiva com uma jovem cozinheira de sushi que depressa vira cúmplice da sua jornada de sangue, ossos quebrados e revelações edipianas.

Se existe filme que se aprontou como o apogeu do novo cinema sul-coreano que chamava atenção no Ocidente ou, pelo menos, se converteu num dos maiores representantes deste “movimento”, esse é definitivamente “Oldboy – Velho Amigo”, o segundo tomo da trilogia de vingança do realizador Park Chan-wook, a adaptação de uma manga japonesa de Garon Tsuchiya.

Eis uma obra feita por uma agressividade furtiva (e visceral, se contarmos a infame cena do polvo, onde quatro animais vivos foram sacrificados), em parelha com uma elegância virtuosa. E como aquela frase que persegue o protagonista e o espectador, a ótica faz a diferença na experiência, pois tanto vemos uma comédia negra com direito à sua trágica 'punchline', ou um 'thriller' de cadências obstinadas com gosto pelas revelações inesperadas. É com gosto que acompanhamos de forma operática este Conde de Monte Cristo sul-coreano, “martelado” (aqui no bom sentido) por uma veia radicalmente raivosa e calculadamente desenrascada.

Não há que negar que “Oldboy” nos brinda com a sua narrativa, o seu compasso de espera e a surpresa guardada e atada num jocoso laço. É esse desafio face ao conforto da convencionalidade narrativa, e também a possibilidade de vários géneros num só, que o cinema sul-coreano conseguiu implantar modas e cultos junto de um público que, durante tantos anos, o ignorou.

Porém, nem tudo é serviço prestável ao entretenimento: o filme tende a entrar num campo de existencialidade coletiva, num exercício de separar as águas de um corpo violento e de impulsos animalescos (o “monstro” como várias vezes é mencionado), e uma mente refém das memórias de um passado turbulento e inconsequente. Há quem encontre nestes traço um lado metafórico para o estado de uma nação que disposta em seguir em frente, deixando para trás os conflitos e as consequências.

Convêm também afirmar que hoje ainda lidamos com as repercussões (e em variados ecrãs) deste triunfo artístico. O cinema sul-coreano não nasceu com este filme de Park Chan-wook, nada disso, mas foi graças ao seu sucesso, assim como o Grande Prémio de Júri atribuído no festival de Cannes pela comitiva de Quentin Tarantino (reza a lenda que este seria a genuína Palma de Ouro, não o documentário “Fahrenheit 9/11”, de Michael Moore), que se estabeleceu um parâmetro de comparação e, por sua vez, uma rivalidade saudável na produção sul-coreana, cuja vitalidade foi cobiçada a nível global.

Claro que os norte-americanos não entenderam isso e, dez anos depois, houve a refilmagem de Spike Lee, uma frouxa e fracassada tentativa de replicar a tal convencionalidade consistentemente abalroada pelo cinema sul-coreano.